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Subsídio para o 3º domingo da Páscoa

por João Romanini

Subsídios Exegéticos para a Liturgia Dominical - Ano B - 18 de 04 de 2021

Foto: Divulgação

3º Domingo da Páscoa

Dia: 18 de 04 de 2021

Primeira Leitura: At 3,13-15.17-19

Salmo: 4,2.4.7.9

Segunda Leitura: 1Jo 2,1-5a

Evangelho: Lc 24,35-48.

 

No capítulo 24, os relatos das aparições do Ressuscitado constituem a solene conclusão do evangelho lucano.  Este capítulo está dividido em três seções: o anúncio da ressurreição às mulheres (vv. 1-12); a aparição aos discípulos de Emaús (vv. 13-35) e a aparição final de Jesus aos onze (vv. 36-53). O autor demonstra duas preocupações: provar que as Escrituras revelam o plano salvífico de Deus em Jesus e atribuir ao próprio Jesus a iniciativa missionária dos discípulos, que marcará a comunidade de Lucas e, de modo mais abrangente, toda a Igreja. Por isso, o evangelista finaliza seu primeiro livro respondendo às dúvidas e dificuldades dos discípulos a respeito da ressurreição de Jesus.

No trecho de hoje, as primeiras palavras que Jesus ressuscitado aos discípulos são “paz a vós” (v. 36). No evangelho de Lucas, o tema “paz” é muito importante e está presente em todo o livro. A palavra grega eirēnē é usada 14 vezes em Lucas e está associada intimamente à ação do Messias: ele guiará o povo de Deus para a verdadeira paz (Lc 1,79), que é dom de Deus a quem é fiel (Lc 2,14.29), mas também é fruto da ação de Jesus como aquele que cura as enfermidades físicas (7,50; 8,48). Por isso, a invocação da paz faz parte da missão dos apóstolos (10,5-6). Estes breves exemplos demonstram que, em Lucas, o projeto de Jesus está intimamente associado à paz.

Para compreendermos mais claramente isso, é necessário situar no contexto do Império Romano não apenas a pessoa e as palavras de Jesus, mas também a comunidade lucana. O Terceiro Evangelho foi escrito em torno do ano 85 de nossa era. A dominação romana era fortemente propagandeada como “pacificação”: Roma impuna a chamada Pax Romana, um projeto de paz caracterizado pela submissão dos que se opunham à dominação imperial, uma paz manchada de sangue, garantida pela força das armas e pelo acúmulo de cadáveres. A Pax Romana foi estabelecida e consolidada por Otaviano, o primeiro imperador. Ele mudou seu próprio nome para César Augusto e se fazia chamar de “Salvador”, porque suas vitórias evitaram que o enorme território conquistado pelos romanos se fragmentasse. Neste sentido, ele “salvou” o império.

Lucas não se cansa de afirmr que César Augusto não é o Salvador (aliás, esta é a afirmação do anjo, em Lc 2,11: “o verdadeiro salvador está em Belém, não em Roma”) e que a verdadeira paz não é aquela imposta violentamente por Roma, mas aquela que Deus oferece para quem com liberdade a aceita (Lc 2,14). Em outras palavras, Lucas desmascara a mentira de uma paz banhada no sangue dos que não se submentem ao imperador romano. Por isso, as primeiras palavras de Jesus Ressuscitado são “Paz a vós”. Esta saudação, porém, provoca não apenas o reconhecimento de que Jesus está ali presente, mas também medo e dúvida: “eles pensavam ver um espírito” (v.37).

A comunidade lucana vive no ambiente grego e, conforme a compreensão da época, quando alguém morre, seu espírito se separa do corpo. Por isso, é necessário demonstrar que Jesus Ressuscitado não é um espírito desencarnado que vaga e aparece a seus amigos e parentes. Jesus não é um fantasma e, por tal razão, os discípulos podem vê-lo, ouvi-lo e tocá-lo. O evangelista ainda acrescenta o detalhe de que ele se alimenta na presença dos discípulos, como modo de garantir que não é uma “alma penada”. Ao contrário, os discípulos constatam que o mesmo Jesus que morreu na cruz está agora ressuscitado: “Vede minhas mãos e meus pés. Sou eu mesmo” (v. 39).

Jesus se apresenta não como alguém glorioso (como se fazia representar o imperador), mas como aquele que carrega os sinais da crucifixão. As marcas dos cravos nas mãos e nos pés são os resultados das escolhas e da coerência de Jesus. Ao mostrá-las a seus discípulos, Jesus quer convencê-los de que seus ideais, suas ações, suas lutas em defesa da vida e da verdade não morreram na cruz nem podem ser apagadas pela tirania do império. Mais ainda: ele convida os discípulos e toda a Igreja a se engajarem no seu projeto de paz, marcado pela vida, pelo perdão, pela verdade, pelo acolhimento e pela justiça.

No v. 44, Jesus afirma: “é necessário que se cumpra tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. Deste modo, ele faz os discípulos compreender o significado dos acontecimentos à luz das Escrituras: “Então, abriu‑lhes a mente para que compreendessem as Escrituras” (v. 45). A exemplo do que acontece no episódio de Emaús, temos reminiscências eucarísticas: Jesus se faz presente no meio da comunidade reunida e toma refeição com os discípulos. Antes de partir, porém, ele explica o sentido das Escrituras numa linguagem que todos possam entender e aplica a eles as antigas profecias, acerca do anúncio da conversão a todas as nações (vv. 46-47), de modo que, a partir desta aparição, eles se tornem as testemunhas (v. 48) de um novo projeto de paz e vida plena.

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF

Dr. Bruno Glaab – Me. Rodrigo Dutra – Dr. Humberto Maiztegui – Me. Rita de Cácia Ló

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