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Subsídios exegéticos para o 3º Domingo da Quaresma

por João Romanini

Celebração para o Domingo 07 de Março

Foto: Divulgação

3º Domingo da Quaresma

Evangelho: Jo 2,13-25

Primeira Leitura: Ex 20,1-17

Segunda Leitura: 1 Cor 1,22-25.

Salmo: Sl 18,8.9.10.11

 

Evangelho

Esta passagem do Cap. 2 do Quarto Evangelho tem uma estrutura interna bem marcada. A referência à festa da Páscoa abre e fecha a perícope: v.13-17 (expulsão dos mercadores do templo durante a festa da Páscoa); v.18-22 (destruição do templo e apresentação do Corpo como espaço de unidade); v.23-25 (fechamento como nova menção da festa da Páscoa e o verdadeiro caráter destes representantes da religião dominante).

Como vemos, no centro, está a nova proposta da passagem do sentido do “templo” e para o sentido do “corpo”. O conjunto e, nele, a presença do episódio da expulsão dos mercadores no começo do Evangelho, à diferença dos Sinóticos (Mt, Mc, Lc), reflete o fato do Templo já ter sido destruído e a necessidade das comunidades cristãs se construir como referências, isto é, “Corpo de Cristo”.

A Páscoa evidencia a oposição entre mercado e libertação (v.13-17)

A Páscoa é o referencial teológico através do qual o Quarto Evangelho estrutura toda sua narrativa de início ao fim. Neste Cap. 2 é chamada de “Páscoa dos judeus” (paska tôn ioudaion) no v.13, mas no versículo 23 (já no anúncio do novo sentido da Páscoa/Ressurreição, cf. v.22) aparece apenas “Páscoa”. Esta diferenciação vai aparecer novamente em 6,4, literalmente, “estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus”, preparando o sentido eucarístico da nova comunhão entre as comunidades do discipulado amoroso que se desenvolve nesse capítulo, ligada novamente à Cruz-Ressurreição (cf. 6,54). O mesmo acontece em 11,55 e 12,1 (fazendo menção a ressurreição de Lázaro e à preparação de Jesus para a Cruz Ressurreição), em 13,1 (abrindo as falas do legado de Jesus na mesa eucarística), até chegarmos à narrativa em si em 18,28.39 e 19.14). O templo, como centro de um “mercado da fé” perdeu totalmente seu sentido pascal, isto é, libertador. O zelo que “consome” Jesus é um zelo do sentido da revelação do caráter libertador de Deus na Páscoa, sentido que será resgatado na Cruz-Ressurreição.

Corpo do Crucificado-Ressuscitado, caminho de libertação e vida (v.18-22)

O anúncio da destruição, ou melhor desconstrução-reconstrução, deixa bem clara a referência à Cruz-Ressurreição, “em três dias o levantarei” e a glosa (explicação) “mas ele falava do templo do seu próprio corpo” (2,19.21). Neste Evangelho o verbo “levantar” (egeíro) é usado frequentemente para sinalizar a superação sofrimento e da morte ou para falar da ressurreição em si (cf. v.22; 5,8.21; 12,1.9.17;21.14). A expressão é “o templo do seu próprio corpo”, apresenta o Corpo de Cristo - seja em referência à Eucaristia, seja em referência à Comunidade - como o lugar onde a morte se transforma em vida, a opressão e o sofrimento dão lugar à alegria da libertação; onde o mercado se transforma em partilha. Esta transformação, ou reconstrução da referência de fé, foi o caminho (quaresmal) que preparou aquelas pessoas que seguiam Cristo para crerem, inclusive, no testemunho da “Escritura” (grafê) e nas “palavras” (logon), isto é, reconhecer a presença do “logos” ressuscitado (v.22).

Sinais de Jesus geram a nova comunidade e desmascaram a hipocrisia (v.23-25)

Os “sinais” (semeion) são o caminho da revelação de Cristo no Quarto Evangelho aparecendo 17 vezes, mais do que em qualquer outro escrito do Segundo Testamento. A palavra semeion também pode ser traduzida como “milagre”, mas, embora no Quarto Evangelho todo milagre seja um sinal, nem todo sinal é um milagre. Aqui por exemplo, quais seriam estes sinais? Mesmo que inclua o milagre das Bodas de Caná da Galileia (2.1-12) não se refere somente a ele, mas também ao “sinal” de ter acabado com a mercantilização da fé no templo e ter apontado para o corpo crucificado ressuscitado como referência da fé libertadora. Por outro lado, havia quem, diante desses sinais, ficavam em um silêncio omisso, numa “tolerância” conveniente... Diante da situação de perseguição e morte vividas pelas comunidades do final do primeiro século, época em que foi escrito o Evangelhgo, essa atitude devia ser denunciada, pois passava uma imagem enganosa que depois se revelaria entregando as irmãs e os irmãos à morte.

Relacionando com os outros textos

A primeira leitura nos traz a versão mais conhecida dos 10 mandamentos (sendo que há outra em Dt 5,6-21), que iniciam com o sentido libertador da revelação divina: “Eu sou Javé teu Deus que tirou da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20,2). Assim estes mandamentos, muito além de uma mera regra moral, são a carta de princípios do projeto libertador de Deus para seu povo. A Páscoa que o Quarto Evangelho toma como referência para a desconstrução da mercantilização da fé e reconstrução do sentido do “corpo”, aqui também apoia a leitura libertadora dos mandamentos como projeto econômico, político e social. Páscoa libertadora da exploração do mercado, reveladora do “templo-corpo”, espaço de encontro das pessoas que creem neste projeto que, diante das estruturas opressivas e repressivas, se apresenta como loucura ou escândalo (1 Cor 1,22-25).

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da ESTEF

Dr. Bruno Glaab – Me. Carlos Rodrigo Dutra – Dr. Humberto Maiztegui – Me. Rita de Cácia Ló

Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

 

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