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Vai dar tudo certo

Gislaine Marins

 

Os italianos já se mobilizaram com máscaras, trabalho à distância, lojas fechadas, deslocamentos somente por motivo de primeira necessidade ou emergência. Onde o estereótipo prevê desorganização, colocaram-se em fila à devida distância, como se fossem turistas japoneses, para ficar no imaginário popular. O vírus transforma o cotidiano.

Mesmo em família, procura-se manter a distância. Filhos deixaram de visitar os pais idosos para não os expor a riscos. Acabou a macarronada de domingo com os parentes. Acabou o café no bar. Não tem mais aperitivo. São hábitos do cotidiano que os italianos prezam em respeitar, mas dos quais abrem mão diante da evidência das estatísticas. O coronavírus já levou a melhor sobre mais de mil italianos. Os contágios já superam quinze mil pessoas. Os escritórios que por algum motivo essencial devem garantir serviços, colocam à disposição materiais para desinfetar as mãos e realizam esterilização dos ambientes a fim de proteger os funcionários. Infelizmente, sempre há exceções, mas em geral tem sido assim.

As crianças estão contribuindo como podem. Desencadeou-se uma campanha entre os grupos de whatsapp dos pais, pedindo que os filhos façam cartazes com o desenho de um arco-íris e a escrita “tudo vai dar certo”. Jovens e adultos em idade produtiva multiplicam nas redes comentários e postagens com a hashtag #iorestoacasa (eu vou ficar em casa). Os italianos fazem isso, endossando o convite do próprio governo.

Hoje chegaram os médicos chineses e as ajudas médicas. A ONG Médicos Sem Fronteiras anunciou ontem que está operativa em quatro províncias do norte. A reação da população é positiva, grata.

Roma está vazia. Ninguém viola as regras para ter uma foto exclusiva do Coliseu ou da Praça de São Pedro. O silêncio à noite surpreende os próprios romanos, acostumados com o rumor do trânsito, o movimento dos restaurantes e as ruas sempre tomadas por turistas. Entretanto, essas limitações estão produzindo os efeitos desejados. Embora em crescimento, não houve uma explosão de contágio na cidade.

Vai dar certo mesmo, como em Nápoles, a porta de entrada para o sul da Itália: uma cidade fantástica, densa de criatividade e solidariedade. Lembremos que foram os napolitanos a inventar o “café pendurado”, um café pago para os que não têm dinheiro e precisam pedir fiado. Agora inventaram o abraço virtual. Combinaram a hora e saíram todos ao mesmo tempo para as janelas e sacadas dos prédios cantando em coro a canção “Abbracciame”, de Andrea Sanninno. Um gesto comovente, como tantos outros que os italianos já têm revelado: médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório, forças da polícia estão trabalhando de forma extenuante nas últimas semanas. Os pequenos empresários, já em dificuldades por causa da crise econômica mundial, estão fazendo enormes sacrifícios, mantendo as suas atividades paralisadas. Os professores talvez estejam trabalhando o triplo de antes: o ensino à distância acaba sendo individual. Os trabalhadores dos serviços urbanos de transporte garantem os deslocamentos aos que têm alguma urgência com sentido de dever e abnegação. Farmacêuticos e donos de armazéns garantem as necessidades primárias com coragem: são praticamente as únicas atividades em que se vê um fluxo de pessoas ao longo do dia inteiro. Estão a risco. Mas dará certo. A maioria está fazendo o que pode por um objetivo comum. Isso irá conter o vírus aqui na Itália, na Europa e por um efeito dominó, irá ajudar a conter a pandemia no mundo. O gesto de cada pessoa é indispensável para o bem de todos.

Nessa hora, em que o vírus começa a chegar ao Brasil, pergunte-se o que você pode fazer pelo país. Considerar o que está acontecendo em outros países pode ajudar a orientar o comportamento que devemos adotar.

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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