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Si vis pacem, para bellum?

Vanildo Luiz Zugno

A frase é atribuída a Vegécio, um escritor romano que viveu no séc. V d.C. Dizia ele: Si vis pacem, para bellum. Para convencer o Imperador, de quem era amigo, a restaurar a grandeza do Exército Romano, escreveu um “Compêndio da Arte Militar” que, por sua simplicidade e praticidade, tornou-se referência da arte da guerra durante séculos no Ocidente. A fama da obra e a força da frase perduraram tanto que, no início do século XX, o Império Alemão, através da Fábrica Alemã de Armas e Munições (Deutsche Waffen und Munitionsfabriken) batizou uma de suas mais famosas criações, a Luger P08, de Parabellumpistole. Entre os anos de 1914 e 1918, mais de dois milhões de exemplares deste modelo foram produzidos e ele se tornou icônico de arma de defesa pessoal.

Curiosidades históricas a parte, voltemos ao importante da expressão popularizada por Vegécio. Ela afirma que a paz só pode ser alcançada pelo uso da força. Em outras palavras, só haverá paz quando as pessoas se sentirem suficientemente amedrontadas para não mais agirem violentamente. É uma lógica que tem forte apelo popular. Para muitas pessoas, a violência só poderá ser diminuída através do armamento generalizado dos cidadãos e de uma ação intimidatória por parte do Estado. Quanto mais armas nas mãos dos cidadãos e quanto mais violenta for a repressão por parte do Estado – polícia e Exército – contra os que praticam a violência, mais tranquila e pacificamente poderá viver a sociedade. Os inimigos da sociedade, sejam eles internos ou externos, só serão inibidos quando aterrorizados ou, no limite, aniquilados.

Foi esta lógica de forte apelo popular que levou à corrida armamentista que resultou na Primeira e na Segunda Guerra Mundial com seus milhões de mortos e incalculáveis perdas humanas e econômicas. Corrida que continuou através da Guerra Fria que quase resultou numa guerra nuclear que poderia ter acabado com a humanidade e boa parte da vida do Planeta Terra. A experiência cotidiana e os dados de todas as instituições que monitoram a violência a nível global indicam, sem sombra de dúvidas que, quanto mais armas em circulação, maior é a letalidade da violência.

Um olhar frio e sério sobe a realidade humana nos ensina que, diferentemente do que dizia o escritor romano e hoje apregoam os armamentistas, deveríamos afirmar: se queres a paz, prepara-te para ela! E o primeiro passo, é renunciar a toda lógica de violência. E o passo mais concreto, é livrar-se de todo e qualquer instrumento que possa fazer dano a outras pessoas.

Para o cristão, isso não é nada novo. É um compromisso que nasce da própria missão recebida de Jesus. Com efeito, quando enviou seus 72 discípulos, Jesus os advertiu claramente: “Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos.” Mas, avisa o Mestre, os discípulos não podem agir como os lobos, pois, agindo como lobos, deixariam de ser cordeiros, deixariam de ser símbolos da paz. Os discípulos devem andar desarmados e sem ostentar nenhum símbolo de poder. E o seu anúncio dever ser o da paz: “Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro:
A paz esteja nesta casa!” E o anúncio proclamado deve ser tão radicalmente pacífico que precisa ser apresentada sem nenhuma pretensão de imposição. Se os habitantes da casa acolherem esta paz, os discípulos nela podem permanecer. Mas se os habitantes não acolherem a mensagem de paz, o discípulo não deve discutir ou querer impor a paz, pois isto seria abandonar a lógica da paz e aderir à lógica da disputa e do conflito que resultará, inevitavelmente, em violência. Para Jesus, os fins não justificam os meios e não se pode justificar uma ação má nem mesmo quando feita com boa intenção.

A tentação da lógica da violência como meio para alcançar a paz é tão grande que Jesus adverte os 72 discípulos: “...quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saindo pelas ruas, dizei: ‘Até a poeira de vossa cidade, que se apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós.’” A lógica da violência é tão sutil e pegajosa que se aninha em nossos vestidos – físicos, mentais e espirituais – sem que nos demos conta dela e, às vezes, contra o discurso proclamado, acabamos por reproduzi-la em nossas relações diárias. É preciso livrar-se dela, sacudi-la de nossos corpos, mentes e corações. E isso só pode ser feito com a educação das novas gerações e a reeducação dos que fomos treinados para agir violentamente.

É preciso ensinar as pessoas que “não se pode trocar um aperto de mão com o punho fechado” e muito menos trocar um aperto de mão com armas na mão. Se queremos a paz, preparemo-nos para ela. E o primeiro passo é desarmar a mente, o coração e as mãos.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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