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Potencializar o carisma de São Francisco: Um Santo para o Terceiro Milênio

Miguel Debiasi

Na sociedade atual, como aponta a pesquisa da revista Time, a regra de vida de São Francisco, ainda que simples, contém muita valia para o terceiro milênio que desponta no horizonte. Isto significa que a intuição laicista do Estado Moderno e da sociedade secular não pode colocar em dúvida a fé da humanidade, porque a religião ainda ocupa um lugar verdadeiramente central nas mentes e nos corações das pessoas. Negar este imperativo é cavar a prisão do homem moderno que carrega em sua formação a marca de uma sincera matriz religiosa. Todavia, respeitando a visão secular da história, permeada de aspectos racionais e de liberdade de consciência, afrontar o conceito cristão de pessoa é no mínimo degradar a sua liberdade e racionalidade. A rigor, devido a crenças nas verdades absolutas da razão, hoje reconhecem o respeito pela pessoa humana, o que implica necessariamente na tolerância religiosa.

Contudo, num mundo plural e complexo, é indiscutível o fato do discurso teológico e religioso unificador não encontrar espaço. Certo é, também, que a custo desta multidivisão e multivisão, a experiência religiosa não pode ser encarada como uma parede de separação entre Igreja e Estado, entre crentes e não crentes.

Neste plano, os leitores da Revista Time, ao eleger São Francisco como a personalidade do segundo milênio, revelam a todos, crentes e não crentes, que o muro erguido - causador de profundas consequências e danos à humanidade - não é de natureza religiosa. Noutro plano, a eleição da personalidade de maior influência dos leitores da revista não cristã mostra que a proposta de São Francisco está muito próxima de nossa opção de vida, dentro de nossa casa. É simplesmente surpreendente. A escolha por Francisco pode ofertar muitas motivações para nossa caminhada de Ordem e de Província Franciscano-Capuchinha.

Outro ganho a nosso favor: durante o Conclave de 2013 para a eleição do sucessor da cátedra de São Pedro, a Igreja toda rezou para que a escolha fosse bem sucedida. Minutos após a eleição do cardeal Jorge Mario Bergoglio, ele anunciou que passaria a se chamar Francisco. A comemoração foi unânime na Igreja e o mundo voltou a sorrir novamente pela boa notícia religiosa.

Para acentuar e fortalecer esse ganho, no findar de 2013 o Papa Francisco foi eleito pela equipe da mesma revista americana Time como a personalidade do ano. Numa relação final de cinco candidatos foi escolhido pelos editores não para ser louvado, mas por seu impacto na mídia e nos acontecimentos do ano. Os "derrotados" pelo Papa foram Edward Snowden (que se tornou notável por causar o vazamento de dados da inteligência americana); Bashar Assad (ditador da Síria); Ted Cruz (senador americano ligado ao Tea Party, ala radical do partido republicano), e Edith Windsor (ativista americana defensora do casamento homossexual).

Obviamente, a escolha do nome Francisco pelo cardeal Jorge Mario Bergoglio aponta ao claro propósito de fazer de seu papado uma missão profética na conversão da Igreja, fortalecer sua doutrina pelo mundo e reanimar a experiência da fé cristã ancorada aos passos de São Francisco.

Daí o empenho do movimento franciscano-capuchinho, ao iniciar o terceiro milênio, em observar com maior fidelidade os passos de São Francisco. Assistidos por tão grande apoio popular e religioso, é importante uma correta leitura do potencial de Francisco a orientar ideias e atitudes cristãs na sociedade atual. Deve-se a isto dar preferências, venham elas de ideias ou atitudes, da instituição ou de pessoas, sem a maximização de elevado e máximo valor do movimento franciscano.

Além disso, que seja levado em conta no apostolado capuchinho o resultado de autênticas respostas em meio eclesial e em contentar-se com influenciar o mundo secular. Que o movimento franciscano, a partir da concepção religiosa de viver os santos conselhos do Evangelho em direção a uma permanente e profunda inserção na história e no mundo, inspirado no autêntico encontro com o pobre galileu, Jesus Nazareno, seja capaz de satisfazer espiritualmente homens e mulheres, assim mantendo a humanidade aberta à obra de Deus.

Nesta missão pode-se aventar muitos caminhos, pontos a elencar, prioridades a discernir, planejamento a definir, inserções em novas realidades e outras ideias a serem traduzidas em tarefas da Ordem e da Província conforme seguimento a São Francisco de Assis. O fato é que diante de um processo de transição de época cristã para a secular, como Ordem e como Província, há que impregnar-se dos ensinamentos de Francisco para que sirvam de ponte de retorno da religião na sociedade atual, e que se ligará à opção das pessoas de não renunciar a Deus.

Eis que, alcançado relevo do movimento franciscano, o papa Francisco no encontro com os Ministros Gerais em Assis, em quatro de outubro de 2013, aposta resposta no mundo atual por parte das Ordens Franciscanas em viver a escolha feita por São Francisco: “Imitar Cristo e fazer-se pobre para nos enriquecer por meio de sua pobreza”. A ênfase dada ao movimento franciscano alinha-se com a missão da Igreja por sua influência em questões que exercem domínio sobre os setores público, cristão e intelectual, os quais estão baseados na particular tarefa religiosa de revestir as pessoas, especialmente o pobre, de uma nova identidade.

Vale como motivação à Província ao elencar novos desafios de sua missão a oração do XXIII Capítulo Provincial: “Senhor, iluminai a nossa província e a cada um de nós, para que, assumindo com vigor e fidelidade os projetos capitulares, estejamos cada vez mais atentos aos gritos pela vida, e continuemos a serviço do vosso Reino”. Convém rezar sobre os projetos que tem recebido aprovação do capítulo porque o apostolado capuchinho segue cada vez mais exigente. E embalado pelo entusiasmo capitular, o apostolado capuchinho torna-se sempre mais relevante em locais de missão. Assim, é necessário demarcar com luzes a linha de desdobramentos de resultados em Cristo e na Igreja que proclama o suficiente para frutificar a obra do Reino de Deus.

Basta estabelecer em dimensão pessoal a assimilação dos significativos termos da oração do XXIII Capítulo Provincial: “Senhor, que não percamos de vista o nosso ponto de partida, mas avancemos, com passos firmes, pelo caminho das bem-aventuranças, buscando acima de tudo o vosso Espírito e fazendo nosso o vosso santo modo de operar”. Qualquer pretensão de caminhada consagrada ao Cristo, à Igreja e a Francisco de Assis, não a par da fragilidade da Igreja e ciente do recuo da Ordem e Província, acrescenta movimento em considerar amplo o campo da fé e do apostolado capuchinho. A rejeição dessa premissa de identificação da presente cultura pelo poder temporal-secular não faz sentido aos alicerces da liberdade humana. A tônica central na contribuição pessoal de consagrados ou nos dons individuais sujeita-se à vontade de Deus a confluir num ponto: prossseguir sempre mais fieis à intenção de São Francisco de Assis e com o suporte da autêntica experiência de fraternidade missionária.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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