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Potencializar o carisma de São Francisco: “O Homem do Segundo Milênio”

Miguel Debiasi

Como pano de fundo, é de ressaltar a convicção da validade da vida religiosa consagrada e da Igreja de Cristo: adentra-se no eixo da reflexão religiosa, no cerne, ou seja, a importância de São Francisco de Assis na sociedade atual. No amparo de posições seculares, teológicas, eclesiais e religiosas, delineia-se a importância de Francisco de Assis para aumentar o número de seguidores de Cristo, em especial de candidatos à vida religiosa capuchinha e de homens e mulheres desejosos de viver os conselhos evangélicos nos passos de Francisco.

É preciso falar em posições seculares, resgatar a pesquisa da revista Time feita em 1999, um ano antes de terminar o milênio passado, para saber qual seria a personalidade mais marcante e mais importante do milênio que terminava. São Francisco foi o eleito. O santo de Assis superou personalidades como: Albert Einstein, físico, criador da teoria da relatividade e da bomba atômica (10º lugar); Mozart, gênio musical e compositor extraordinário (9º lugar); Thomas Jefferson, herói da independência dos Estados Unidos (8º lugar); William Shakespeare, autor de “Romeu e Julieta” e grandes obras literárias (7º lugar); Galileu Galilei, o qual afirmou que a Terra girava em torno do Sol (6º lugar); Martinho Lutero, causador da maior divisão na Igreja (5º lugar); Miguelângelo, artista e pintor revolucionário da Idade Média (4º lugar); Cristóvão Colombo, descobridor da América (3º lugar), e João Gutenberg, "pai" da tipografia (2º lugar).

O resultado da pesquisa não deixa de ser surpreendente para o mundo secular e também para o religioso. É de verificar-se o resultado, ainda que sem rigor, de seu alcance no mundo, especialmente nas possibilidades espirituais. Basta, por ora, uma palavra: abordar o desdobramento do resultado em relação ao mundo secular. São Francisco ter sido o vencedor na pesquisa é surpreendente já que a revista Time é secular e a maioria dos concorrentes não eram personalidades religiosas. Contudo, ao considerar-se a influência deste santo na cultura mundial, o resultado não é surpreendente. Ainda que o título “Homem do Milênio” não combine com São Francisco, que escolheu a humildade mais profunda e a extrema pobreza, trata-se de um justo reconhecimento. Todavia, mirando o mundo religioso, São Francisco influenciou profundamente todo o segundo milênio. Ou seja, influenciou a vida secular mais do que ninguém.

É preciso considerar, ainda, a influência de São Francisco, a qual confirma que ele não foi refém do longo caminho da experiência religiosa ocidental, permeada de sobressaltos e tergiversações. Logo, na inviolabilidade de sua consciência plasmou uma nova experiência de fé religiosa ancorada aos conselhos evangélicos. Fez de sua fé religiosa uma experiência de comunidade fraterna, em que o indivíduo é afirmação de consciência e de atitude. Nisto, assegura o livre exercício de crescer em Deus capaz de desagregar-se de um cenário religioso desconfigurado do espírito do Evangelho.

Ainda que não soubesse do alcance do ato de se despojar das roupas que recebera do pai ficando nu na praça de Assis, o jovem Francisco estava começando uma trajetória que marcaria todo o milênio. E mais, ao reconstruir a capelinha da Porciúncula, pedra por pedra, descalço, na neve, não sabia que estava começando a reconstruir a Igreja de Cristo. É cedo para antecipar o desdobramento de seu justo título, mas foi isso que aconteceu.

Francisco de Assis tornou-se o fenômeno religioso que transcende seu tempo e apresenta-se como possibilidade real de responder ao mundo que tende a ser pós-cristão. A par do paradigma teocêntrico da Idade Média, cientes de que o povo antigo não pensava como a geração atual, ou no sentido da importância da religião como valor essencial para a vida, perguntar-se: o que fez São Francisco para merecer esse título? As respostas não têm matriz nas grandes obras, a exemplo das nove personalidades que o pobre santo superou na pesquisa. As respostas não deixam de ser estupendas para o mundo que caminha de forma gradual para a era pós-cristã. Porém, é válido considerar alguns elementos na expectativa de adesão ao movimento de São Francisco. Ademais, as respostas podem indicar caminho de renovação da vida religiosa capuchinha. Vejamos algumas:

1 - Na sociedade secular expandem-se as medidas discriminatórias. Com a valorização de relações entre produção, mercado e capacidade de consumo, milhões de pessoas são vítimas da extrema pobreza. Permanecer indiferente a essa realidade era inaceitável para Francisco e, num dos mais importantes passos de sua conversão, é movido a abraçar e beijar um leproso desfigurado. A partir de então passou a amar e a se sentir irmão dos mendigos e marginalizados. O amor passou a ser a medida em suas relações com o Deus Criador e com as criaturas.

2 - Na atual sociedade, que transborda privilégios aos beneficiados pelas riquezas, aos quais se agregou o aparato de um status jurídico favorável, manifestar desvalorização a essa ideia é responsabilidade moral individual. Francisco alterou o sistema da época ao deixar a riqueza para viver na pobreza e confessar publicamente ser o mais feliz dos homens por causa dessa opção.

3 - Diante da longa luta medieval de preponderância de um braço sobre o outro, em que a única constante era a sobreposição dos discursos políticos e religiosos, contrariar a supremacia ora do Estado, ora da Igreja, significava chamar para si suprema autoridade. Francisco, baseado em sua intuição de traduzir-se no equilíbrio do resultado das relações fraternas, sentia-se irmão de tudo e de todos: homens, mulheres, animais, plantas, morte, vida, amor, dor, alegria… Identifica em tudo e todos seus irmãos amados e bem-vindos.

4 - Vendo consolidar-se um modelo fechado de Igreja - basta lembrar os Papas Gregório VII e Inocêncio III, corifeus da doutrina da superioridade dos papas - assentado tanto em argumentos jurídicos quanto teológicos, dar um passo decisivo contra esse sistema da cadeira de Pedro é demarcar as esferas do espiritual e do temporal. Francisco dá um passo em direção a outro condado cristão, o teológico, espiritual e eclesial, ao cantar louvores ao Senhor sabendo-se criatura amada pelo Pai e salva por Jesus Cristo, a quem entregara sua vida.

5 - Em tal contexto, ao lançar um novo modelo de viver a fé, sem fazer concessões ao erro e no momento posterior integrar-se aos grupos dos hereges, a regra para Francisco é simples: viver o modo do Santo Evangelho. Disposto a não se tornar indesejável ou dar lugar a divisões, escândalos e distúrbios, Francisco anunciava o Evangelho em Assis apenas caminhando pelas ruas da cidade, sem dizer uma palavra, sabendo que bastava o seu exemplo.

6 - Entendido o modo de viver, segundo o Santo Espírito do Evangelho, Francisco ressalta a clareza de sua insistência e reconhece ser aceito por ser subordinado à Igreja e não se opor ao poder espiritual do Papa, consequentemente lhe deve obediência. A partir desse procedimento fundou a ordem dos Franciscanos, que pregavam e viviam a pobreza e não queriam nada mais do que uma vida simples e fraterna.

Dito isto, em termos de resposta da pesquisa da revista Time, foi o que fez São Francisco. A partir daí, Francisco não se preocupou em produzir grandes obras da ciência ou das artes. Ainda, não lutou pela independência de seu país. Igualmente, não fez descobertas científicas relevantes para a humanidade. Além disto, não acumulou riquezas. Certo é que Francisco apenas escreveu uma regra de vida simples para que seus irmãos pudessem seguir e viver.

Contudo, o reconhecimento como o “Homem do Segundo Milênio” tem um começo. Vale desvendar a origem, como tudo começou. Natural, neste passo, perguntar-se: o que aconteceu na vida de São Francisco para que trocasse de vida tão radicalmente? Na análise da pesquisa da revista Time, a “resposta é simples, como foi sua vida: Francisco achou um manuscrito dos Evangelhos e leu. Ele leu a vida de Jesus Cristo contada pelos evangelistas. Isso transformou o coração daquele jovem sedento da verdade, sedento de sentido para a vida, sedento de Deus. Depois que leu os Evangelhos, Francisco nunca mais foi o mesmo, tamanha é a força desses escritos de quase dois mil anos”.

Daí a assertiva de que São Francisco foi a personalidade que mais influenciou os homens do segundo milênio. Curioso, ainda, que tal menção honrosa poderia ser dada a Jesus Cristo Nazareno, a quem São Francisco entregou-se de corpo, alma, mente e entendimento. O título a Jesus Cristo lhe seria mais que justo e eis que Francisco o concebia como o grande Senhor de tudo e de todos e não se cansava de proclamar isto com canções, orações, palavras e gestos. A favor disto, Jesus o bom Senhor, “é aquele pobre e humilde que São Francisco seguiu à risca, sem jamais olhar para trás”, diz a pesquisa. Nele, Francisco encontrou a paz de coração e o caminho que o tornou o homem mais influente do segundo milênio da era cristã.

Antes de prosseguir, ao invés de romper com a unidade da Igreja e combater as desgastadas premissas teológicas que sustentavam o paradigma religioso medieval, Francisco busca uma nova experiência de fé religiosa e com base na legitimação das pessoas. Evitando as rupturas, seja de natureza epistemológica e do modo de operar da mãe Igreja, Francisco revitalizou a fé de todos ao proclamar um novo caminho para a fé cristã e sem hesitações cantava isto com hinos: “Louvado sejas, Bom Senhor Jesus, humilde e pobre, Filho de Deus e Servo dos servos”. E sob a luz disto, Jesus, por sua vez, exalta seus santos. 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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