Os limites divisórios do conhecimento
O ser humano constitui sistemas mundiais estritamente associados aos saberes. A organização de um sistema mundial político, cultural e social configura-se pelo controle do conhecimento. A sustentabilidade de um sistema depende da capacidade de controlar conhecimentos. Dessa maneira, a força do pensamento ocidental moderno divide o mundo em duas partes, entre visíveis e invisíveis.
A capacidade de condução da humanidade do pensamento ocidental é inegável. Historicamente o pensamento ocidental é identificado como sendo do “Velho Mundo”. Portanto, o continente europeu é o espaço da fecundação da sabedoria e do conhecimento. O “Velho Mundo” representa a constituição dos saberes, das ciências, dos regimes, das estruturas, das relações solidificadas do sistema mundial contemporâneo. Por isso, é reconhecido como espaço das nações independentes, das pessoas livres, o primeiro mundo, onde acontece o crescimento econômico. Com efeito, a autonomia política e econômica historicamente depende de um poder epistemológico. Em suma, algo que falta aos países colônias.
O epistemológico ocidental tende a revigorar domínio em sociedade contemporânea. No dizer do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos esta pretensão é de um “pensamento abissal”. A característica fundamental do “pensamento abissal” é a de estabelecer um abismo entre os povos visíveis e invisíveis, ou da incapacidade de “coexistência de outros saberes”. O pensamento ocidental estabelece uma linha divisória no sistema de conhecimento mundial contemporâneo. Para Boaventura é representada na linha do Equador, como um traço divisório do globo terrestre em dois hemisférios: o Sul, denominado meridional ou austral, e o Norte, conhecido como setentrional ou boreal. É a divisão do mundo pela epistemologia ou conhecimento. Neste caso, o hemisfério Sul é inexistente. O mundo dos saberes ou do conhecimento está acima da linha do Equador, no hemisfério Norte. Este é o local da comunidade contemporânea regulada pela sabedoria e emancipada socialmente.
Com isso, o domínio político está associado ao poder cultural. Cultura e política quando articuladas viabilizam conhecimentos. A sociedade ocidental emancipada historicamente apropriou-se de países colônias pela capacidade política e pelo controle de conhecimento, de saberes. Política e saberes sustentaram-se em dois pilares, da regulação e da emancipação. O pilar da regulação do pensamento ocidental passa pela constituição do Estado Moderno, da comunidade, da sociedade metropolitana, espaços distintos dos territórios das sociedades colônias. Quanto ao pilar da emancipação consiste em três lógicas da racionalidade: a racionalidade do estético, manifestada pela arte, literatura; a racionalidade instrumental-cognitiva, expressada pela ciência e tecnologia; e a racionalidade moral, prática, ética do direito.
A aproximação e a coexistência de saberes entre os hemisférios Sul e Norte é tarefa imprescindível à sociedade contemporânea. Neste esforço as sociedades dos territórios coloniais lutam pelo seu reconhecimento ou de outras modalidades de conhecimento. O conhecimento do senso comum não deixa de ser inteligente para a coletividade. Há conhecimentos populares construídos pelos pobres. As verdades inverificáveis da fé, da filosofia e da teologia são conhecimentos aceitáveis. As contribuições do conhecimento existente nas crenças, nas magias, nas mitologias, etc. O esforço pelo reconhecimento de outros conhecimentos e alternativos ao pensamento ocidental contemporâneo ajuda na superação de um mundo dividido entre povos visíveis e invisíveis.
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