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Os fogos de São João

Vanildo Luiz Zugno

O fogo é uma das mais poderosas ferramentas disponíveis aos humanos. Se por “cultura” entendemos tudo aquilo que, pela ação humana, é tomado da natureza e transformada em utilidade e sentido, o fogo é um dos grandes motores culturais. Ousaria até dizer que o fogo está na origem e no coração de todas as culturas.

O domínio do fogo permitiu a nossos ancestrais ampliar e aprimorar as fontes de alimentação através do cozimento de carnes e vegetais, preparar a terra para semear, aquecer-se nas frias noites de inverno e avançar para regiões inóspitas, afastar as feras, atacar os inimigos, malear os metais e com eles forjar as mais diversas ferramentas e armas.

Na modernidade, o fogo foi transformado em energia e o poder dos humanos sobre a natureza se tornou avassalador. Cada vez mais rápido. Sempre mais poderoso. Às vezes gerando vida. Muitas vezes, destruição.

A importância do fogo é tal que se tornou um dos símbolos mais presentes e importantes em todas as culturas. E, como no dizer de Paul Tillich, a cultura é a forma da religião, o fogo é um dos símbolos fundamentais em praticamente todas as expressões religiosas, do passado e do presente.

Apenas para ficar nas mais próximas a nós, na religião romana, o fogo representava as divindades familiares, os “lares” protetores da família e de suas propriedades. Para garantir a presença e proteção dos “lares”, o fogo era mantido permanentemente aceso. Apagar o fogo da “lareira” ou deixá-lo morrer, significava rechaçar ou recusar a proteção das divindades. O sacrário das igrejas católicas com a lâmpada sempre acesa, é resquício desta primitiva religião romana. Também existiam os “lares” públicos, os protetores das cidades, aos quais também se acendiam fogos. Eram os fogos pátrios ou cívicos que até hoje desfilam, sem que muitos saibam porque, nas festas patrióticas.

No judaísmo, o fogo é omnipresente. Deus se dá a conhecer a Moisés na sarça ardente. Ele acompanha o seu povo no deserto numa nuvem de fogo. Transmite sua lei no monte Sinai e sua Palavra a Isaías através do fogo. A Deus se agrada com a queima das oferendas no altar. Ele castiga e destrói Sodoma e Gomorra com chuva de fogo e enxofre. Mas num carro de fogo que Elias sobe vivo aos céus. Existe o fogo do céu e o fogo do inferno. E mais tarde, na Idade Média, haverá um fogo intermediário: o fogo do purgatório.

Entre as festas mais importantes de Israel, está a Festa dos Fogos ou das Semanas. Ela é celebrada sete semanas depois da Páscoa. É a época da colheita da cevada. Longe de suas casas para o trabalho, os agricultores se reúnem no campo e, ao redor de fogueiras, com danças e refeições que duram toda a noite, dão graças a Deus pelos frutos da terra. Quando o grego foi adotado como língua literária pelos hebreus, a festa passou a ser chamada Pentecostes. Com esse nome, a antiga festa passou para a tradição cristã, significando a presença do Espírito de Deus no meio do povo.

Tal festa não era exclusiva de Israel. Todos os povos agrícolas do Mediterrâneo e também os povos nórdicos a tinham em seu calendário. Na medida em que o cristianismo foi avançando pela Europa, novas assimilações de sentido foram sendo dadas a esse evento. Uma das mais fortes e presentes em nossa cultura popular, é a das festas juninas e, nelas, a do nascimento de João Batista.

Talvez João, o Batista, aquele que precedeu a Jesus, nada tenha a ver com as festas juninas e as festas juninas. O único fogo do qual ele fala, é o do castigo que consumirá toda a árvore que não produz bom fruto. Ela será cortada e jogada fora. Tomada ao pé da letra como o fazem alguns equivocados interpretadores fundamentalistas, poderíamos dizer que, quanto maior a fogueira, maiores são os pecados das pessoas que a fizeram! ­­Pensando assim, poderíamos imaginar que a fogueira de Herodes era a maior de todo o Oriente Médio. Daí o triste fim do Batista nas mãos do terrível militar...

Deixando as divagações apocalípticas de lado, melhor voltar às festas juninas e, lembrando a tradição judaica e as outras religiões que, com festas e danças, celebram a graça da vida e da bênção divina presentes nos frutos das colheitas, vamos também dar graças a Deus por estarmos vivos e termos o pão nosso de cada dia. E claro, lembrar, lamentar e protestar pelos tantos que padecem hoje vítimas dos Herodes hodiernos e suas políticas necrófilas.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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