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O futuro já não nos espera

Vanildo Luiz Zugno

 

A frase que intitula este texto, pronunciado por um amigo em uma conversa em uma das recentes noites hibernais, caiu em mim como uma pedra em barra de metal. Depois do estalo do impacto, ficou ressoando, indo e vindo cada vez mais lentamente e mais profundamente até fazer-se silêncio. Um silêncio eloquente que não parava de clamar e de fazer pensar.

Nossa civilização ocidental tem entre seus fundamentos a ideia da temporalidade que tem na tradição judaico-cristã sua fonte principal. Ao fazer sua promessa a Abraão, Deus indica para ele e seus descendentes o caminho do futuro. O que importa agora é o amanhã e caminhar em direção a ele. Abraão põe-se a caminho. Um caminho geográfico. Mas também um caminho temporal à espera da descendência que virá.

Na promessa feita a Moisés e aos descendentes de Abraão escravizados no Egito, o futuro é outra vez evocado. Para entrar na Terra Prometida, é preciso vencer não apenas os longos caminhos entre as areias escaldantes do Sinai. É preciso também vencer o tempo. E este é cruel para os que saíram do Egito. Todos morrem no caminho. Apenas os frutos do tempo – os filhos e netos – logram ver as férteis terras de Canaã.

As sucessivas promessas feitas por Deus a Israel também o colocam na perspectiva do futuro que passa de temporal a atemporal. Mas não por isso menos futuro. No Exílio, os profetas apocalípticos afirmam que a Promessa de Deus se realizará quando o tempo for consumado. É preciso percorrer o tempo da história até o seu fim para entrar na Nova Terra Prometida celestial.

O cristianismo vê em Jesus ressuscitado a realização da promessa e o fim dos tempos. Mas é um fim provisório na espera da Segunda Vinda de Cristo que vai selar o fim definitivo dos tempos. Paulo de Tarso, o primeiro teórico do cristianismo, diz que somos convidados a viver no tempo como se não fôssemos do tempo. Uma estranha atemporalidade temporal é o que propõe o fariseu convertido. Nela, a atemporalidade é recebida, é dom, é graça. A temporalidade é compromisso, é tarefa, é obra.

As filosofias do Ocidente guardaram de Paulo a segunda parte. O capitalismo vê o futuro como resultado da capacidade de investimento no presente. Poupar hoje é a garantia da abundância do amanhã. O socialismo vê as contradições do presente como potencialidade inelutável para a construção da revolução futura. Quando mais acirrado o conflito no hoje, mais próximo está o amanhã glorioso.

Na disputa entre uma ideologia e outra, chegamos ao impasse atual. A crise ecológica que pode levar à extinção da humanidade; as guerras por disputa de mercado entre o império norte-americano e seus satélites norte-atlânticos e as potências emergentes do Oriente; a pandemia da Covid19 que colocou a humanidade de joelhos durante mais de dois anos e continua a fustigar; os 100 milhões de pessoas que vagam pelo mundo em busca de um lugar para morar; a fome que volta a assolar a humanidade; o fascismo que volta a espreitar os palácios públicos e privados... e tantos outros sinais estão aí a nos dizer que o futuro tão sonhado não só está distante, mas que é muito provável que nunca chegaremos a ele.

Em outras palavras, como dizia meu amigo João, o futuro talvez não tenha paciência para esperar por nós. Ou, quem sabe, ele queira nos dizer que, para deixar que ele venha a nós, temos que reaprender a, simplesmente, viver o presente que o tempo nos dá. Enquanto ele está lá. Antes que se vá. Antes que a ânsia pelo amanhã nos devore qual Cronos a seus próprios filhos.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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