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Morte ou lucro

Vanildo Luiz Zugno

 

Um dia como qualquer outro. Mas nem tanto. Um dia diferente. Um dia estranho. Um dia macabro. Macabro e normal. Tão normal que breve dele esqueceremos. Por isso temos que falar agora antes que olvidemos.

Um dia com muitos mortos. Mais que mortos, assassinatos. Em massa. Coletivos. Brutais. Oficiais. Por balas mortais. 24 de maio de 2022. Não foi na Ucrânia. Não foram os mísseis russos nem as armas americanas enviadas agora para serem pagadas depois com o trigo dos campos do Donbass. Afinal, ninguém empresta armas. Armas são para serem vendidas e gerar lucros. A guerra é business, all right!

Não foi na Síria. Nem no Iêmen, Somália, Afeganistão, Congo, Paquistão, Moçambique, Serra Leoa, Camboja, Coreia do Norte ou em qualquer guerra esquecida de um distante país do que antigamente se chamava Terceiro Mundo.

Foi bem aqui. Pertinho de nós. Na nossa vizinhança. Nos três maiores países das Américas. Estados Unidos, México e Brasil. Em cada país, uma história diferente. A mesma dor, a mesma morte, o mesmo sangue quente correndo e pessoas morrendo. Nos Estados Unidos, no Texas, lugar de gente valente e onde andar armado é um direito de todo cidadão, um jovem de 18 anos executou, com tiros de pistola e fuzil, 19 crianças e duas professoras.

No México, na cidade de Celaya, Estado de Guanajuato, um grupo de homens armados passou de bar em bar atirando em todos os que encontrasse pela frente. Não saiu na imprensa brasileira. Os mortos foram poucos. Apenas onze. Sete mulheres e quatro homens. A polícia investiga.

No Rio de Janeiro, mais um massacre da polícia. Sem inteligência para deter os criminosos quando estão no asfalto, as forças da ordem, desordenadamente, sobem o morro e atiram com precisão em alvos equivocados. As balas não são perdidas. São direcionadas. As balas são treinadas. Elas sempre acertam pretos, pobres e periféricos.

No ano que vai em curso, no país da liberdade das armas, a média é de um massacre por dia. As crianças não querem mais ir à escola nos Estados Unidos. A sua, pode ser a próxima. Em Guanajuato, nos bares, a música segue. Os mariachis continuam cantando os narcocorridos que embalam os sonhos de ir para o norte. Para quebrar a monotonia, uma cumbia lembra de onde vem o pó que segue para as narinas do império. O sangue dos mexicanos é o combustível que faz a loucura americana girar. No Complexo da Penha, as pessoas não podem não sair de casa. Tem que trabalhar, trazer o pão nosso de cada dia para o comer dos filhos. Mesmo com dor, com medo de ser o próximo, com o pavor de morrer e não saber o porquê.

Na outra página do jornal, o outro lado da notícia. Nos últimos vinte anos, a produção de armas para uso de civis, triplicou nos Estados Unidos. Em 2019, último ano do qual o governo norte-americano disponibilizou dados, 11 milhões de armas de fogo para uso de civis foram produzidas naquele país. Somadas aos 7 milhões de armas importadas, um total de 18 milhões de novas armas foram vendidas no ano de 2019 naquele país.

No Brasil, assistimos a uma semelhante escalada de produção e venda de instrumentos de morte. Com pouco ou nenhum controle. E estimulada pelos atuais governantes. Tudo fica claro quando vemos que, nas eleições de 2018, pessoas ligadas a empresas fabricantes de armas estiveram entre os maiores doadores de campanhas eleitorais.

A realidade é cruel. Nos Estados Unidos, no México, no Brasil. E em muitos outros lugares. Só não a sente quem não se importa com os mortos porque os que jazem na rua não são dos seus. Mas nada acontece por acaso. Enquanto uns contam os mortos, outros contam os lucros. É a indústria da morte. Altamente lucrativa. Altamente nociva. É a civilização ocidental resumida ao lucro do capital.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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