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Laicidade não é antirreligiosa

Miguel Debiasi

O Brasil sempre foi considerado um país exemplar em tolerância religiosa, mas essa realidade vem sofrendo revés. Atos de intolerância religiosa surgem frequentemente. A situação demanda reflexão da questão do Estado laico brasileiro. Algo ainda a ser compreendido pelos brasileiros.

A nação brasileira é constituída pela diversidade de etnias, raças, credos. Até há pouco tempo o país era um terreno fértil para a convivência pacífica e respeitosa aos direitos e às liberdades. Mas, com a eleição do deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, foram provocados rumores de intolerância. Em inúmeros vídeos o parlamentar faz declarações preconceituosas sobre negros, gays, mulheres e católicos. A estes últimos assim se refere: “os católicos são uma religião morta”. As declarações do parlamentar têm provocado muitas reações. Os grupos agredidos foram às ruas e à Câmara Federal repudiar as ideais preconceituosas do parlamentar. Outro fomento de intolerância religiosa é a iniciativa da Prefeitura da cidade de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, entrar com uma ação na Justiça para a retirada da Bíblia de bibliotecas públicas, alegando ferir a laicidade do Estado. Outras manifestações de intolerância religiosa pelo país têm alicerçado um debate sobre o Brasil como Estado laico. Sabe-se que a laicidade só pode existir num estado democrático. O fato é que o Estado Brasileiro hoje não é mais democrático do que já foi no início do período republicano.

O Estado brasileiro não é totalmente laico. A própria Constituição do Estado Brasileiro não é laica. A Constituição do Império de 1824, promulgada por Dom Pedro I, dizia: “em nome da Santíssima Trindade”. Reconhecia o catolicismo como a religião oficial. O Código Penal proibia a divulgação de doutrinas contrárias às “verdades fundamentais da existência de Deus e da imortalidade da alma”. Os professores públicos precisavam jurar fidelidade à religião oficial. Considerados legítimos eram os casamentos religiosos realizados em Igreja Católica.

A expressão Estado laico não consta na Constituição de 1988, apenas parte de seu conteúdo: entre as vedações à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, está a de: “Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-las, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. (art. 19). O art. 150 da Constituição proíbe a criação de impostos federais, estaduais e municipais sobre templos de qualquer culto. Entretanto, a intolerância religiosa põe em risco a paz pública e compromete as relações de convivência entre os diversos segmentos religiosos do Brasil. Com efeito, a laicidade não é antirreligiosa. Em contrário, desencadearia uma onda de intolerância, algo incompatível com a história, com o espírito do povo brasileiro e com a Constituição que garante a liberdade de pensamento, de credo e de crença. A laicidade precisa ser melhor debatida.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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