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Eles têm Moisés e os profetas!

Vanildo Luiz Zugno

Há poucos dias o Brasil assistiu com espanto as declarações de um Procurador do Ministério Público de Minas Gerais afirmando ser impossível viver com um salário “miserê” de 24 mil reais. Segundo ele, “todo mundo já verificou que é um salário relativamente baixo. Sobretudo para quem tem mulher e filho.” Em sua fala, ele expressa que, além de reduzir os gastos, se sentia ameaçado em sua saúde: “Estou deixando de gastar R$ 20 mil de cartão de crédito e estou gastando R$ 8 mil. Pra poder viver com os R$ 24 mil. Eu e vários outros já estamos vivendo à base de comprimido, à base de antidepressivo. Estou falando assim com dois comprimidos de sertralina por dia, e ainda estou falando deste jeito.”

Mas o incrível da fala do Procurador é a justificativa para a sua demanda de aumento salarial: “Eu, infelizmente, não tenho origem humilde. Eu não sou acostumado com tanta limitação. Talvez eu seja até mal visto porque aqui tá cheio de gente que diz que nós somos perdulários. Tá cheio de gente aqui dizendo que nós ganhamos muito, que temos de economizar. Mas é gente que não gasta um centavo, só vive economizando.”

Para o Procurador, na sociedade brasileira existem dois tipos de pessoas com naturezas diferentes. Os de origem humilde, acostumados a viver com pouco, e os de origem aquinhoada, acostumados a viver com muito. Estes necessitam continuar recebendo mais ainda, pois não podem viver com menos. E os que ganham menos, não precisam receber mais, pois estão acostumados a viver com pouco. É natural que seja assim...

Na real, o Procurador em questão recebeu, nos últimos meses, em média, 60 mil reais por mês. Ou seja, mais de sessenta vezes o salário mínimo nacional. Pergunto-me: o que leva à naturalização de uma situação tão desigual?

Há várias hipóteses... A primeira, a herança feudal de um mundo desigual onde os servos serão sempre servos e os nobres sempre nobres. Ou a cultura escravagista ainda encravada na sociedade brasileira de que o filho do ventre escravo será escravo até a sua morte. Cultura que nem a Lei Áurea declinou de abolir ao negar dar condições dignas para os escravizados e seus descendentes. A geografia de nossas cidades atesta a divisão social que perdura de geração em geração.

O que diz a nossa fé sobre isso? O Evangelho é claro: o rico esbanjador que nega partilhar a sua comida com o pobre que bate à sua porta irá arder para sempre no fogo do inferno. E não há remédio para tal pecado. É duro. Mas é a palavra do próprio Jesus afirmando que esta é a decisão de Deus. E a razão é simples: “Eles têm a Moisés e os profetas, que os escutem”. Através deles, o caminho da salvação, que consiste em cuidar daquele que está caído por terra, já foi pronunciado e disposto para todos.

Mas o mais duro da parábola de Jesus é o final, quando Ele afirma, pela boca de Abraão, que, para aqueles que não socorrem os famintos, não adiante nem enviar alguém ressuscitado dos mortos. Ora, quem é que ressuscitou dos mortos? Jesus, é claro. Então, afirmar que se crê em Jesus ressuscitado e não se atende às necessidades dos pobres, é uma contradição insuperável. Sem atenção ao faminto, ao sedente, ao nu, ao prisioneiro, ao doente..., não há verdadeira fé em Jesus Cristo, mesmo que se proclamem aos céus centenas de profissões de fé e milhares de Aleluia. O fosso é intransponível. Mas há Moisés e os profetas. Feliz

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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