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Cultura inclusiva

Miguel Debiasi

A cultura monoteísta fez da produção teológica uma tarefa exclusivamente masculina. Com efeito, conceitos, linguagem teológica e práticas eclesiais tornaram-se seletivas. Como consequência criou-se um clima de angústias e relações de submissão do gênero feminino. Hoje, em mundo plural, ao pensar conteúdos, linguagem teológica e práticas ministeriais, pressupõe-se parâmetros de uma cultura inclusiva. 

Com a criação do Conselho Mundial da Igreja, em 1948, visualiza-se tarefa intelectual e prática por cultura religiosa inclusiva. A criação do conselho marca a possibilidade de um novo discurso sobre Deus, com a presença de mulheres nas igrejas, na educação teológica, na liderança espiritual. Mas esta tarefa, para a teóloga luterana brasileira Wanda Deifelt, fica ainda incompleta, pois somente proporciona “acesso das mulheres nos ministérios que garante a igualdade de direitos e a erradicação da discriminação, opressão e violência”. Insiste a teóloga por haver algo mais profundo que precisa ser implantado, como a “revisão das estruturas simbólicas da Igreja”, bem como, “uma concepção alternativa à teologia do poder” a partir da experiência de fé das mulheres.

A colaboração latino-americana com a tarefa de criar uma cultura inclusiva veio em dezembro de 1993, quando a Teologia Feminista foi aceita oficialmente pela Associação Ecumênica de Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo (ASETT). Este reconhecimento permitiu “fazer teologia a partir da realidade das mulheres e voltado para a sua valorização, tanto dentro da Igreja como na sociedade”, afirma a teóloga Wanda. O ponto de partida da teologia feminista é a experiência da mulher e a análise das relações de gênero como princípio da construção e da desconstrução do discurso religioso. É papel da reflexão teológica olhar para a existência com seus condicionamentos sociais, políticos, culturais e religiosos, os quais determinam o modo como homens e mulheres devem viver a dignidade humana. A crítica feminista desconstrói a ideia de desigualdade entre homens e mulheres causada por estruturas sociais que justificam diferenças biológicas e mandatos divinos. A cultura monoteísta assumiu os valores predominantemente masculinos que se tornam excludentes por serem aceitos como normas para a formulação de uma visão de mundo, de sociedade, de teologia, de Igreja.

Superar essa cultura excludente é possível por uma visão inclusiva de mundo, de sociedade e de teologia que pressupõe a revisão das narrativas, textos, tradições de caráter androcêntrico, e por resgatar as perspectivas de grupos excluídos, entre eles as mulheres. Ao rever as narrativas históricas suspeita-se que o cristianismo tem muito a oferecer além do que foi dado, por ter desempenhado um papel de legitimação de normas e padrões culturais passíveis de questionamentos. As mulheres sempre estiveram presentes nos acontecimentos da Bíblia e da história da Igreja.

Segundo a teóloga Wanda, a Bíblia afirma a “dignidade das mulheres como criaturas feitas à imagem de Deus (Gn 1,26-27) e partícipes íntegras do corpo de Cristo (Gl 3,27-28), em que, mediante o batismo, já não há mais judeu nem grego, escravo ou livre, homem e mulher”. A teologia feminista defende, a partir da experiência da mulher excluída, ser possível refletir e remover conceitos e práticas da tradição, cultura, raça, sexo e da economia que determinaram relações e posições sociais excludentes. Nessa tarefa, teólogos e teólogas precisam revisar textos e tradições consideradas normativas e canônicas que fomentam e reconhecem a desigualdade entre homens e mulheres, afirma Wanda.

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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