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Caráter suicidário do atual governo?

Leonardo Boff

As práticas políticas do atual governo estão destruindo as possibilidades de uma governança que traga alguma melhoria para o povo e aos mais destituídos. Não possui projeto de nação nenhum e mostra compartamentos indignos do cargo que ocupa.

Quando todas as portas se fecham e um governo  não vê mais nenhuma saída para sua sobrevida, a alternativa é o suicídio. Este pode ser físico ou político. Com Vargas, foi físico: deu um tiro no coração. Com Jâno Quadro, foi político sob o pretexto de insuportável coação de forças ocultas. Com Collor, foi também político, renunciando antes da conclusão do impeachment. Com Bolsonaro pode occorrer algo semelhante, por reconhecer o Brasil  como ingovernável  e por causa da fortíssima pressão das corporações. Não o evitarão as manifestações do dia 26/5 nem o  estranho pacto entre os três poderes, no qual o ministro Toffoli jamais deveria estar.

Bolsonaro escolheu o pior caminho: o confronto com o Congresso, com o Centrão, com o STF, com a imprensa e com parte do exército. Tal estratégia debilita toda sua política. A saída seria abandonar a cena e cuidar de salvar a si mesmo e os seus familiares do alcance da justiça.

Efetivamente, o governo Bolsonaro desmantelou as quatro pilastras básicas que sustentam uma sociedade para que minimamente funcione.

 A primeira, já herdada de seu antecessor, acusado em vários processos, Michel Temer: a destruição e precarização completa das leis trabalhistas. Uma nação vive do trabalho das grandes maiorias operárias que garantem a vida e a continuidade de uma nação. Concedeu tantos privilégios aos patrões que os operários foram conduzidos a uma situação similar aos inícios do capitalismo selvagem da Inglaterra, sem direitos garantidos e o desmantelamento da estrutura sindical.

A segunda foi o desmonte  da salvaguarda dos direitos fundamentais, penalizado especialmente minorias como LGBT, indígenas e quilombolas As instituições que as implementavam foram em muito esvaziadas.

A terceira é o ataque direto à educação, às escolas, às universidades, à ciência e a suas instituições técnico-científicas. Tentou-se implantar uma “escola  sem partido” para dar lugar à ideologia do partido do governo de viés conservador, ultra-direitista, intolerante e fundamentalista. Sob a questionável alegação de contingenciamento mas,  na verdade, uma espécie de punição às críticas por parte da inteligência nacional e acadêmica, fizeram-se cortes substanciais à toda a rede de ensino superior e aos centros de pesquisa científica e tecnológica. Junto a isso se distorceu totalmente a preocupação pelo meio ambiente, para privilegiar o agro-negócio, descuidando da preservação da Amazônia e  negando o aquecimento global por razões meramente ideológicas e até de supina ignorância.

A quarta foi a desidratação do SUS, um dos maiores programas mundiais de saúde pública, com o propósito de privatizar grande parte do sistema de saúde. Os cortes atingiram as farmácias populares e os medicamentos gratuitos para várias doenças como diabetes, HIV e outras.

À frente dos ministéros foram colocadas pessoas sem a menor qualificação para o cargo, algumas bizarras, como a dos direitos humanos e da mulher ou incompetentes como o da educação, do meio ambiente e o das relações exteriores.

A sensação que se tem, é o propósito de conduzir o país aos moldes pré-modernos, congelar o parque industrial, um dos mais avançados dos países em desenvolvimento, privatizar o mais possível tudo e tudo,  a ponto de o ministro da Fazenda, despudoramente dizer a investidores em Dallas que até o palácio do Planalto poderia ser privatizado e o BB funsionado com Bank of America. Por fim, submeteu-se à recolonização do país, condenado a ser mero exportador de commodities; compô-se como sócio agregado ao projeto de hegemonia mundial pretendido pelos EEUU. O presidente visitou aquele país e lá  cumpriu um rito de explícita  vassalagem.

A consequência é a condenação do país à irrelevância.  A seguir a política de cortes, poderemos ter uma grande parte da população reduzida à condição de párias. Sabemos que o Brasil é  decisivo para o futuro ecológico-social da vida e do planeta.

Um povo ignorante por lhe negarem um ensino de qualidade e doente por não cuidarem de sua saúde, jamais conhecerá um desenvolvimento sustentado e dar uma contribuição importante  à humanidade.

Bolsonaro faria bem ao país e ao mundo se renunciasse à presidência, para a qual confessou não ter vocação. Ideal seria se tivesse a generosidade mínima e um pouco de amor ao povo, para fazê-lo por si mesmo, antes de ser obrigado a isso pelo total solapamento do solo que o sustenta.

Sobre o autor

Leonardo Boff

Nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938.  Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha). É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.

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