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A insustentável parresia do Papa Francisco

Vanildo Luiz Zugno

 

Amor e ódio. Diante dele ninguém ficava indiferente. Por quê? Porque ele não passava insensível ante os grandes problemas da humanidade que se apresentavam a seus olhos nos rostos, corpos e mentes de pessoas concretas que com ele cruzavam pelos caminhos da Galileia. As multidões ficavam encantadas com seus gestos de carinho, compaixão, cura e perdão para com leprosos, endemoninhados, aleijados, cegos, surdos, velhos, crianças, mulheres, estrangeiros, mulheres estrangeiras, mulheres prostituídas, viúvas... Até mesmo os ricos publicanos por todos desprezados e os soldados romanos pelos judeus odiados encontravam nele palavras e ações de aproximação e apelo à conversão para a justiça do Reino.

Para os fracos, suas palavras eram suaves e ternas e não lhes impunha jugo algum. Para os fortes e poderosos, palavras duras e exigências que não pediam apenas a conversão pessoal. Iam muito além. A conversão por ele pregada implicava no fim do sistema de exploração tanto dos poderosos da terra como de seus superiores romanos. Aos judeus pedia a justiça do “Ano da Misericórdia”. Aos romanos, que voltassem para sua cidade e deixassem o Povo de Deus livre para o culto a Javé.

Qual a diferença entre o “Ano da Graça” com o qual Jesus abriu sua missão e o “Ano da Misericórdia” que marcou o início do pontificado do Papa Francisco? Nenhuma! Graça e misericórdia são duas palavras para falar do mesmo amor de Deus que vence o medo das religiões e impérios que massacram a pessoa humana. Jesus iniciou sua missão na periferia da Galileia, região desprezada pelos judeus e temida pelos romanos como fonte de distúrbios e provocações. O Papa Francisco foi a Lampedusa acolher os desprezados da Europa e do mundo. Jesus reuniu junto a si desempregados, pescadores, coletores de impostos e mulheres para fazer deles os anunciadores da justiça e da graça de Deus. O Papa Francisco se reunião com os Movimentos Sociais e proclamou que a justiça é que nenhuma família pode ficar sem teto, nenhum camponês sem terra, e nenhum trabalhador sem emprego. O Filho do Homem não tinha onde reclinar sua cabeça e enviou seus discípulos sem mochila, com apenas uma túnica e um par de sandálias. O Papa Francisco recusou desde o princípio e persiste em manter-se distante de palácios, roupas, sapatos, faustos e honras dos príncipes deste mundo e da Cúria Romana. Assim como Jesus se recusou a condenar a mulher que lhe foi apresentada como adúltera, Jesus, ante aqueles indiciados como portadores de pecado ao mundo, o Papa lembra que Jesus é o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” e pergunta: “quem sou eu para condenar? ”

O Papa é amado e odiado por uma única razão: ele insiste em ser simplesmente um cristão. E seu cristianismo não se resume à afirmação de uma pertença religiosa. Seu cristianismo é uma fé, uma aposta de vida, total, absoluta e, ao mesmo tempo, cotidiana e performática. Assim como Jesus, ele não apenas fala. Ele também faz. E seu agir, provoca amor e ódio como todos os profetas que antes dele percorreram o caminho da Esperança que passa, necessariamente, pela cruz.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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