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Subsídios exegéticos para o 3º Domingo do Tempo Comum

por João Romanini

Subsídios exegéticos Liturgia dominical - Ano B -24 de janeiro de 2021

Foto: Divulgação

 

3º Domingo do Tempo comum

Dia: 24 de janeiro de 2021

Primeira Leitura: Jn 3,1-5.10

Salmo: 24,4ab.6-7bc.8-9

Segunda Leitura: 1Cor 7,29-31

Evangelho: Mc1,14-20

 

O evangelho deste domingo pertence ao bloco conhecido como “Ministério de Jesus na Galileia” (1,14–7,23). Para compreendermos bem os versículos que lemos nesta liturgia (1,14-20), é necessário dividi-los em dois pequenos blocos.

O primeiro (vv. 14-15) é um sumário, no qual está resumido o projeto teológico de todo o livro de Marcos. Nesses dois versículos, ganha destaque o termo “evangelho”. Esta palavra não foi inventada por Jesus nem pelos cristãos. Ela já era usada na língua grega e seu significado nós sabemos: “boa notícia”. A questão é saber: Que tipo de boa notícia? Ou melhor: Boa notícia para quem?

No mundo greco-romano, “evangelho” era qualquer notícia ligada ao poder de Roma e do imperador: vitórias militares e derrota dos inimigos, bem como a entronização do imperador. Em suas cartas, Paulo se apropria deste termo e muda totalmente o significado: o conteúdo do “evangelho” é a salvação atuada por Jesus Cristo. O primeiro a usar aquela palavra para designar um livro é Marcos (Mc 1,1). Este autor diz abertamente que o evangelho que Jesus anuncia não é uma boa notícia do Império Romano, mas é “de Deus”. Com este acréscimo, o evangelista diz claramente que a boa notícia de Deus não é a boa notícia do Império; pois o que o Império oferece não é a salvação, e sim a chamada Pax Romana, um sistema de dominação baseado na violência e na destruição.

Não é à toa que Jesus inicia este anúncio crítico depois que João tinha sido entregue, isto é, depois que o Batista tinha sido aprisionado por criticar o Herodes Agripa, um rei fantoche e subserviente ao imperador Tibério César. A prisão do profeta João Batista é vista como o ápice da iniquidade de Herodes Agripa e sinal de que havia chegado o momento da intervenção de Deus para libertar seu povo. Por isso, o v. 15 afirma claramente:  Completou‑se o tempo oportuno e o Reino de Deus se aproximou. Convertei‑vos e crede no Evangelho.

O texto grego usa a palavra kairós: não se trata do tempo cronológico, mas do momento oportuno: a intervenção de Deus é agora!  Na continuação, Jesus diz que o Reino de Deus se fez próximo. A palavra kairós na primeira frase do versículo pode levar ao engano de interpretar que Jesus esteja falando da proximidade do tempo. Mas não: o verbo “aproximou-se” aqui não tem a ver com tempo, mas com espaço: o Reino de Deus está aqui, está ao alcance da nossa mão. Então, o Reino acontece agora (kairós, momento oportuno) e aqui (está ao nosso alcance).

Neste contexto devem ser lidos os dois imperativos do v. 15: Convertei-vos e crede no Evangelho. Converter-se, aqui, significa mudar de mentalidade, deixar de acreditar nas promessas enganosas do Império Romano, para acreditar no Evangelho de Deus. Em outras palavras, não se trata apenas de não mais ter medo do Império, mas também de não assumir como projeto pessoal e comunitário a Pax Romana, que, como vimos, é uma paz baseada no sangue e nos cadáveres dos inimigos e derrotados. A verdadeira força que salva não é a opressão do Imperador, mas o compromisso com o Reino de Deus!

O fato de Jesus ter escolhido como primeiros membros de seu grupo quatro pescadores, bem como as palavras que dirige a Simão e a André – Vinde após mim, e eu vos farei ser pescadores de homens – também merecem nossa atenção.

Nos vv.16-20 temos duas cenas semelhantes, narradas como típicos relatos de vocação: enquanto caminha, Jesus vê trabalhadores e os convida a deixar tudo e segui-lo. A eleição de pescadores e a insistência de Marcos neste particular vão além do sentido simbólico superficial, isto é, congregar pessoas para que recebam o perdão e a salvação. O convite a pescadores liga este episódio a dois textos proféticos, Am 4,2 e Jr 16,16, nos quais os pescadores simbolizam os exércitos inimigos que invadem Israel e Judá. A ação daqueles pescadores era a de dispersar e devorar o povo. Nos tempos de Jesus, assim agia o Império Romano. Ao qualificar seus primeiros discípulos como pescadores, Jesus os convida a agir de modo contrário, isto é, reunir e salvar o povo. Os discípulos, portanto, são convocados a se unir a ele na sua luta para restaurar a dignidade das pessoas e de toda a nação. Muitas vezes, isso implica deixar e combater privilégios ancorados na dominação romana. Por isso, o evangelista insiste que os primeiros vocacionados deixaram imediatamente redes e barcos, não para fugir do mundo, e sim para se inserir numa prática social alternativa, baseada não em vantagens interesseiras, mas na liberdade diante da vida e do futuro.

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da ESTEF

Dr. Bruno Glaab – Me. Carlos Rodrigo Dutra – Dr. Humberto Maiztegui – Me. Rita de Cácia Ló

Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

 

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