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Viver para o supra sentido do mundo

Miguel Debiasi

 

“Meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido (...). Mas, meu reino não é daqui” (João 18,36). A resposta de Jesus a Pôncio Pilatos, governador romano, da província da Judeia, que o condenou à morte por insistência dos sumos sacerdotes judeus, convida a uma reflexão da nossa presença neste mundo temporal, histórico e transitório.

É possível a compreensão de mundo como uma totalidade dos astros e planetas, universo, firmamento, divisão da terra, tudo que nele existe, lugar de vida humana e todas as espécies de seres vivos (Gênesis 1,6-27). A palavra mundo também se associa ao termo grego kósmos, que significa ordem, ordenamento como um sistema mundial. No sentido bíblico o termo mundo remete a humanidade como um todo, estrutura que envolve todas as criaturas. Nessas compreensões o termo mundo pode ser conceituado de universo, humanidade e sistema.

O termo universo abrange tudo que existe criado, natureza, planeta terra e as coisas visíveis. Também o termo mundo reporta-se à humanidade, como apresenta as Sagradas Escrituras. São Paulo diz que Jesus Cristo veio ao mundo, criado por Ele mesmo, para viver entre nós como “primogênito de toda a criação” (Colossenses, 1,15-16). São João diz: “a verdadeira luz, que ilumina a todo homem; ele vinha ao mundo. Ele estava no mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu” (João 1,9-10); e conclui: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3,16). Ainda o termo mundo, alude a um sistema ético, enfatizado pelos apóstolos São Tiago: “mundo de iniquidade” (Tiago 3,6); e São João: “não ameis o mundo nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne, dos olhos e orgulho da riqueza” (1João 2,15-17).

Os três sentidos da palavra mundo: universo, humanidade e sistema, obviamente para um cristão alude ao plano de Deus que abrange o mundo por inteiro. Os textos bíblicos apresentam Deus que salva todo o mundo, portanto, toda a criação. No plano de Deus o mundo além da existência material é o espaço da obra redentora. Jesus orou ao Pai pela obra da salvação: “não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal” (João 17,5). A partir do momento que recebemos o batismo, a fé em Cristo, não somos mais exclusividade deste mundo temporal, embora tenhamos que viver nele temporalmente. A fé em Jesus Cristo é compromisso para que o mundo seja o espaço da experiência do plano de Deus, seu Reino. O cristão vive no mundo com a convicção: “Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3,17).

Pela fé em Cristo, o cristão pode viver temporalmente o supra sentido do mundo. O teólogo Clodovis Boff define o supra sentido do mundo com três ideias. A primeira, que o sentido primeiro do mundo se encontra no homem, ou melhor, é o próprio homem. Segunda, que, através do homem, Deus é o sentido último do mundo. A terceira ideia, que, em termos históricos-salvíficos, o sentido último do mundo é Cristo, enquanto conduz o mundo a Deus. Então, o homem, sentido primeiro do mundo, é o centrismo. Deus, sentido último do mundo, é eternidade. Cristo, o sentido último do mundo é salvação humana. Logo, ter fé em Cristo Salvador confessa-se a obrigação de servir a razão primeira de estarmos no mundo, participar do plano de Deus que congrega em seu amor toda criação.

O mundo no sentido bíblico cristão leva-nos a perguntar: para que serve esse mundo, toda essa natureza cósmica se não for para a realização do Plano de Deus? O autor deste mundo o criou para qual necessidade? Qual a sua intenção quando fez o mundo? Como simples resposta, se Deus criou o mundo é porque ele o criou livremente para lhe comunicar o seu amor. Como diz Santo Tomás: “Quando a chave do amor abriu as mãos de Deus, as criaturas apareceram”. Deus não só criou o mundo, mas escolheu o interlocutor como parceiro de sua obra criada por amor, o homem. Efetivamente, Deus espera que o homem participe de sua obra e corresponda a essa aliança, para a sua própria felicidade. Quando Deus Criador, for amado e glorificado pela ação humana no mundo, ganham os dois parceiros: Deus e o homem, assim, considera o teólogo Clodovis.

Para sermos neste mundo bons interlocutores com Deus e sua obra, é preciso cultivar muitas virtudes como de uma pedagogia da esperança, sugere o pedagogo e filósofo Paulo Freire. A esta altura da história da civilização, em que a maioria da população está submetida a tantas injustiças e desigualdades sociais praticadas pelo sistema político e econômico mundial, que favorece a poucos privilegiados, o verdadeiro cristão percebe que o mundo não está em comunhão com a vontade do Criador. Esta realidade desigual e injusta diz aos cristãos como sujeitos libertadores que não estão plenamente sintonizados na criação e nem engajados na construção do supra sentido do mundo, que manifesta o plano do Autor, do Criador.

Na ideia de ser cristão e de sujeito histórico, todos devem saber em favor de quê vivemos e para quem trabalhamos no mundo. Ou contra quem, contra o quê, contra qual projeto estamos ensinando e trabalhando no mundo. Esta é uma questão importante que ninguém pode escapar, cada um na medida de sua consciência pode desenvolver na história humana aquilo que considera como a razão primeira da existência. Melhor seria se todos vivessem mais para o supra sentido do mundo: homem e o mundo, criados para a realização da obra redentora de Deus Criador. Se o termo mundo significa uma ordem, ordenamento é porque há um Ordenador. Enfim, homem e mundo foram criados e podem ser ordenados em função do Ordenador, para participar do plano amoroso de Deus.   

  

 

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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