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Sociedades democráticas ou fascistas?

Miguel Debiasi

O antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (1921), escreve: “Não só os indivíduos estão na sociedade, mas a sociedade também está nos indivíduos, incutindo-lhes, desde o nascimento deles, a sua cultura. A cultura e a sociedade permitem a realização dos indivíduos, as interações entre os indivíduos permitem a perpetuação da cultura e auto-organização da sociedade”. Sendo verdade esta afirmação, leva-nos a discernir o modelo de sociedade que desejamos viver nossa existência.  

Para o renomado antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro (1951), a sociedade é uma condição universal da vida humana. Trata-se de uma necessidade biológica e simbólica. Biológica porque somos predispostos geneticamente à vida em sociedade e ao desenvolvimento de habilidades indispensáveis à nossa sobrevivência. Isso envolve simultaneamente o físico, intelecto, linguagem, técnico e qualquer tipo de trabalho.

A sociedade é uma necessidade simbólica porque, além de suprir nossas necessidades físicas, precisamos dar sentido a elas. Isto requer o desenvolvimento de um arcabouço moral e cognitivo que defina parâmetros de como fazer e por que fazer algo. Ou seja, requer definição de regras, rituais e significados compartilhados com nossos semelhantes. Assim, o comportamento humano não é fundado em instintos, mas em normas que orientam suas ações e a organização social de um grupo, de uma comunidade, de uma nação, de um povo.

A sociedade está para ordem humana. Para a organização da sociedade é preciso que haja um sistema político e jurídico que medeie às relações, solucione conflitos, trabalhe para a integridade da vida, concilie as diferentes demandas e interesses, determine e delegue as punições a quem infringir as regras. Que nela haja um sistema econômico que viabilize a produção de bens, alimentos e distribuição de riqueza entre seus membros. Bem como, da existência de um sistema educacional que abarque escolas, instituições culturais e religiosas, famílias, grupos, que oriente um processo de socialização, desenvolvendo e inculcando o conteúdo ético e cultural.  

O filósofo e sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) escreve que as sociedades não são meramente a soma de indivíduos, mas um sistema formado pela “associação entre indivíduos”. A sociedade é anterior ao indivíduo e impõe-se sobre ele, suas regras que são coercitivas e gerais, e exercem controle sobre indivíduos.

As classificações de sociedade são muitas, todas de acordo com os próprios conceitos adotados. A sociedade feudal se organizava pela produção econômica baseada na atividade agrícola. A sociedade burguesa que desenvolve com as determinantes mudanças culturais e políticas, como iluminismo, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, substituindo a sociedade feudal.

Há a sociedade civil, cultural, humana que desenvolve e se organiza pela partilha de crenças, saberes, costumes comuns. Uma sociedade humana é um coletivo de cidadãos de um país, sujeitos à mesma autoridade política, as mesmas leis e normas de conduta.

A sociedade democrática ficou conhecida com o governo dos cidadãos atenienses durante o período de Péricles, no século V a.C. Péricles (495-429 a.C.) foi um célebre e influente estadista, orador e estratego da Grécia Antiga, um dos principais líderes e a maior personalidade política do século V a.C. democráticos da cidade de Atenas, por força de seu carisma a democracia ganha relevância como regime político.

A palavra democracia é formada por dois vocábulos gregos que, juntos, implicam uma concepção singular de relações entre governados e governantes: “demos” que significa povo ou muitos, enquanto “kracia” quer dizer governo ou autoridade. Logo, democracia significa “governo do povo”, isto é, governo eleito pelo povo por meio de eleições periódicas. A sociedade democrática diferencia-se de outras como dos governos de um sobre todos, como é da monarquia, ou de poucos sobre muitos, caso da oligarquia.

Pelos pilares políticos da sociedade de Atenas, da Grécia Antiga, hoje se constroem e se mantêm as sociedades democráticas. O dia-a-dia da sociedade democrática baseia-se em conjunto mínimo de regras, leis e instituições que são adotadas para dar efetividade aos ideais do bem comum e coletivos. Para participar da sociedade democrática envolve atitudes, comportamentos e uma concepção moral construindo uma cultura cívica.    

Nesse modelo de sociedade o voto é considerado um direito democrático. O voto só é efetivo se as eleições são livres, regulares e monitoradas por uma instituição independente de outras instituições do Estado. Nesta sociedade todos podem se organizar por meio de partidos políticos para se elegerem ou para eleger seus governantes. A sociedade democracia tem um governo baseado em leis em contraposição aos homens, hoje, muitos defendem regime totalitaristas como fascistas.

A palavra fascismo deriva do italiano fascio, que significa “feixe” e remete para uma “aliança” ou “federação”. O fascista significa inicialmente os apoiadores do fascismo. São pessoas que possuem um posicionamento político autoritário e antidemocrático.

Todos os regimes fascistas apresentam entre si algumas características comuns, como: valorização do sentimento de nacionalismo, da proteção do país e a defesa da segurança nacional, a partir da ideologia de um grupo empoderado; centralização do poder nas mãos de um líder; utilização do militarismo e de preceitos religiosos como formas de controle e manipulação da população; perseguição e uso de violência contra opositores do regime; censura e controle dos meios de comunicação; desvalorização e censura da arte.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, vendo a conjuntura política da Europa disse que "vivemos em sociedade politicamente democráticas, mas socialmente fascistas”. Parece-nos bastante visíveis que há pessoas fascinadas pelas sociedades fascistas, mesmo não sabendo o que isto representa para suas existências. Que as democracias reinem em todos os cantos e povos do universo.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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