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Ser homem: a propósito de José de Nazaré

Maria Clara Bingemer

Dia 19 de março é festa de São José. A Igreja Católica celebra com entusiasmo o carpinteiro José de Nazaré, esposo de Maria e pai adotivo (não gosto da palavra putativo) de Jesus. Não havendo registro de uma só palavra sua pronunciada ao longo da vida, o santo tem muitos devotos, atende pedidos de muitas graças e é figura das mais respeitadas e veneradas na piedade católica.

Até mesmo fora das fronteiras eclesiais há artistas e intelectuais que se interessam pela figura de José. Como Georges Moustaki, cantor e compositor egípcio- francês, que compôs a canção “Joseph” que Rita Lee depois lançou por aqui em nossas paragens. O que a livre e feminista Rita Lee achou de interessante em José de Nazaré, da tribo de David, conhecido no catolicismo como “casto esposo de Maria”? E, no entanto, aí temos a canção que foi sucesso. Tanto a de Moustaki como a de Rita Lee.

Rara e preciosa combinação de traços dessa personalidade que é José. Uma presença silenciosa e fiel, constante, cuidadosa, vigilante. Carpinteiro apaixonado pela mais bela moça da Galileia. E que passou noites sem dormir desesperado, sem saber o que fazer ao constatar que Maria esperava um filho que não era seu. Dividido entre a fidelidade absoluta à lei mosaica que regia sua vida de judeu piedoso e que lhe ordenava repudiar a mulher que supostamente o traíra e o amor que sentia por aquela jovem, que lhe sussurrava ao peito que o que nela acontecia só podia vir de Deus que é fonte de vida.

O sonho onde ressoou a voz do anjo, mensageiro do Senhor, acabou de decidi-lo. ”José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo”. Assim ouviu, assim fez José, o justo, o não machista, o que sabia amar e respeitar sem desvendar brutal e autoritariamente o mistério da mulher que amava. A criança que nasceu foi recebida e amada, apoiada e protegida. José viveu a paternidade que não era sua biologicamente, mas sim afetiva e espiritualmente. Aos que cremos na Encarnação do Verbo de Deus nascido de mulher, só nos resta inclinarmo-nos e louvar a Deus que suscitou em Israel a José de Nazaré, esposo de Maria e que cuidou de Jesus com desvelo durante sua vida.

Neste último dia 19 andei lendo vários textos sobre este homem. Alguns belíssimos e comoventes. Parece que a figura de José ganha dimensões novas e mais amplas. Talvez porque como humanidade estamos começando a entender que é mais que tempo, que passou da hora de mudar os paradigmas. O cuidado se perfila no horizonte como o novo paradigma possível e recomendável em um momento em que a arrogância e a eficácia sem freios nem limites em busca do êxito e da riqueza fracassaram rotunda e claramente.

José é um homem que cuida. Aquilo que sempre foi entendido como dever da mulher, é um homem que o pratica. José cuida dessa mulher que sem seu cuidado seria morta e penalizada pelo suposto delito cometido. Cuida dessa criança que nasce indefesa e tão ameaçada pelos poderosos que queriam sua morte. Cuida da vida frágil e sem defesa.

Em tempos de feminicídio, o Brasil cresce na macabra estatística de ter cada vez mais mulheres assassinadas pelos homens com quem mantinham uma relação amorosa. Mortas por serem mulheres, agredidas e assassinadas porque queriam terminar uma relação e seus parceiros não aceitaram essa decisão. Exterminadas porque desejavam trabalhar fora e desenvolver-se como pessoas e não lhes era permitido por aqueles com quem conviviam e se julgavam proprietários de sua pessoa. Nesse contexto a figura de José aparece como desafio a um modo de ser homem. E dá pistas para pensar no que significa realmente a masculinidade. Mais do que o que significa, em que implica.

Com a emergência dos movimentos de emancipação e libertação da mulher, a masculinidade vive uma profunda crise. Os homens se encontram um tanto perdidos diante do que lhes foi ensinado que eles mandavam, eram a “cabeça” do casal, deviam ter as mulheres a eles submetidas e dominadas. Igualmente foram ensinados a esconder seus sentimentos, a não chorar, não externalizar suas emoções. Isso é bom para as mulheres.

José mostra que outra masculinidade é possível; Ser homem não é sinônimo de ser violento e autoritário. Mas é amar e respeitar, assumir responsabilidades, cuidar, estar presente, escutar, ajudar. Tudo isso foi a vida de José. E mais tarde, quando Jesus maravilhava a todo o povo com as palavras que dizia, perguntavam: “Não é este o filho do carpinteiro?”

São José, roga por nós. Que tua pessoa inspire uma nova geração de homens configurados pelo cuidado e não pela dominação.

 

Sobre o autor

Maria Clara Bingemer

É professora do departamento de teologia da PUC-Rio e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da mesma universidade. Ela é graduada em Jornalismo, mestre em Teologia e doutora em Teologia Sistemática.

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