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Quaoar

Gislaine Marins

Ele é minúsculo, está na periferia do sistema solar e possui um anel que desafia os astrônomos e as leis gravitacionais: é Quaoar. O céu sempre intrigou filósofos e poetas, artistas e crianças. Eu leio as notícias e penso no cantor e compositor Franco Battiato, que dizia nos anos oitenta: “Procuro um centro de gravidade permanente que nunca me deixe mudar de ideia sobre as coisas, sobre as pessoas”. A gente sabe que é uma busca inútil e que aquilo que realmente nos desafia é o impossível.

O anel improvável: se uma nuvem de detritos continua a flutuar ao redor de um pequeno planeta, sem forças para mantê-la agregada, por que não somos capazes de acreditar que o amor é capaz de vencer o ódio? O amor é isso: uma aliança no terreno das improbabilidades, navegando no espaço obscuro, à procura do infinito. Sempre achei que os astrônomos são as pessoas mais parecidas com os escritores: capazes de imaginar com os números aquilo que sonham encontrar nas estrelas.

Em 1964, Peter Higgs descreveu um bóson, um seja, uma partícula, que teria surgido após o Big Bang. Calculou tudo e demonstrou que esse elemento certamente existia: só faltava encontrá-lo. Teve de esperar até 2013 para que as primeiras confirmações de existência do bóson fossem divulgadas: apenas cinquenta anos, um tempo ínfimo para o calendário astronômico.

Eu queria ter a fórmula do amor e a utopia dos cientistas para demonstrar que existe e para esperar que se cumpra. Em tempos de guerra e de ódio, usados como modalidade de ação e de destruição das relações humanas, acreditar no amor é como descrever o bóson de Higgs. Nessa metáfora pobre, Quaoar é o planeta do amor, que desafia as hipóteses científicas até hoje conhecidas e comprovadas nos fatos. É que sabemos que muitas pessoas já desistiram desse sentimento, pois o ódio é visceral e os seus efeitos são paradoxalmente palpáveis: a destruição e a perda nos dão a dimensão de tudo o que amamos e gostaríamos de manter.

O amor, pelo contrário, é uma espécie de milagre, que requer imaginação, confiança e uma postura semelhante à dos astrônomos, que desafiam as fórmulas e a própria força da gravidade. Aos que amam, cabe o desafio à potência dos aniquiladores. Aos que amam, cabe contemplar as estrelas, contar o tempo que passa e saber que o amor, esse sentimento milenar, é aquele que nos permitiu chegar aqui. Bem ou mal, mas aqui: apesar das guerras, do ódio, das bombas, das mentiras, da exploração. O amor, apesar de tudo.

 

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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