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Pais mimados, filhos autoritários

Gislaine Marins

Lembro dos velhos tempos de escola quando eu dizia aos colegas: não é preciso apenas uma escola para os filhos, é necessária uma escola para os pais. Já se vão quase trinta anos e, como uma Cassandra tropical, as minhas previsões realizaram-se da pior maneira possível. Nossos pais são terrivelmente mimados, terrivelmente agressivos, terrivelmente autoritários. Não pensem que perseguindo e denunciando professores estão salvando os seus filhos dos perigos imaginários que povoam as mentes dos desinformados: estão, pelo contrário, dando o melhor exemplo de incapacidade para a resolução de problemas, estão ensinando os pimpolhos a serem arrogantes, estão abrindo o caminho para os ditadores do futuro. Estão dando a cartilha do descarte, esse desprezo social que atinge pobres, idosos, pessoas com desabilidades e inconvenientes em geral – incluindo professores, médicos, babás, faxineiras e qualquer um que não seja do agrado de pessoas narcisistas, incapazes de conviver com a diversidade.

No programa da escola para pais, esse instituto útopico estabelecido no país dos meus sonhos, as crianças irão ter quatro horas de recreação e quinze minutos de aulas. Os pais, ao contrário, experimentarão as cobranças familiares, as expectativas inatingíveis, a decepção pelos resultados que não foram obtidos, a rigidez dos músculos contidos por horas a fio, a boca fechada, os ouvidos atentos e a maldade aguçada nos olhos, distraídos da principal função educativa que é o partilhar, para exercer o controle sobre cada palavra e cada gesto dos professores. Ao saírem, serão questionados por seus filhos, para saberem se bem vigiaram os seus docentes e nunca lhes será perguntado se foi importante o que aprenderam, se foi útil, se foi agradável, se foi surpreendente, se foi significativo. Não perguntarão aos pais se foram felizes naquelas horas de obediência às regras da escola e ao ódio da família contra a escola. Não terão interesse em saber o que seus pais farão do sentimento de conflito interno em relação a pessoas que deveriam admirar por guiá-los, mas são tratados como prestadores de serviço sem dignidade pessoal. Não se questionarão sobre como resolverão isso no futuro. Não se importarão com a sensação de desmotivação e gradual desapego aos valores educacionais. Criarão pais-monstrinhos, controladores, arrogantes, aprendizes de ditadores.

Assim, experimentando aquilo a que submetem os filhos, talvez os pais compreendessem que não é sensato continuarem sendo pais mimados. Talvez conseguissem imaginar o próprio devir, que chegará bem antes do futuro dos seus filhos e não será melhor que o presente dos descartados de hoje.

Na verdade, seria bem melhor imaginar uma escola de regeneração para os pais, onde eles praticassem a gentileza, a escuta ativa, a confiança, e onde usassem critérios racionais e amorosos para tomar decisões e indicar os caminhos a serem seguidos por seus filhos. Seria melhor que eles aprendessem a não demonizar quem educa, para não serem demonizados; que não fossem arrogantes, para não ensinarem a prepotência. Seria melhor que praticassem a tolerância e a capacidade de ouvir opiniões diferentes com serenidade. Seria bom que aprendessem a valorizar as próprias opiniões sem imposições, mas com bons argumentos e com boas palavras. Seria ideal que ensinassem o amor e não o ódio. Pois aqueles quem ensinam tudo errado, como pais mimados, colhem frutos estéreis.

Natal é tempo de sonhos, tempo de família. A família celebrada, convém salientar, era perseguida, rejeitada, miserável. Mas estava repleta de amor. Se os pais quisessem realmente dar um presente de Natal a seus filhos, poderiam dar isso: uma oportunidade. Uma chance para se tornarem jovens equilibrados, capazes de construir o seu conhecimento e fazer escolhas. Lamento escrever isso, mas é também preciso lembrar que pais autoritários, que perseguem e difamam os professores de seus filhos, em geral possuem pouca estima das suas capacidades como genitores. Afastam seus filhos da escola por medo de visões complexas do mundo e não percebem  que ao fazerem isso alimentam comportamentos análogos. Surpreendem-se com o aumento da violência e não veem que são promotores daquilo que criticam.

Que o amor prevaleça no mundo, especialmente em relação às crianças. E essa, realmente, é a maior utopia de todas: mais do que qualquer fantasiosa escola para pais. No entanto, é profundamente verdadeira. Mais do que tudo: é absolutamente necessária que para tenhamos, quem sabe um dia, um mundo melhor. Feliz Natal a todos.

 

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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