Os milhões de José e Maria de Belém
O ser humano vive numa permanente espera. Aguarda todo tempo boa notícia. Por mais que o passado tenha sido bom, todos imaginam um melhor horizonte à sua frente. A espera é tanta que o tempo presente só ganha sentido pleno no amanhã. Vive a espera do adventus maximum, do acontecimento primordial, da vinda do personagem decisivo. O Tempo do Advento é de vigilância espiritual e material em preparação do acontecimento maximum, nascimento do Salvador do mundo, do Senhor.
Em relatos bíblicos, há uma ansiosa espera do povo de Israel pelo nascimento de um menino, do Salvador. A espera atravessou séculos e gerações. O nascimento do menino traria grande júbilo ao pobre povo que andava nas trevas ou sob o jugo da dominação e exploração (Isaías 9,1). A espera era pela luz que iluminaria os caminhos dos oprimidos. A luz faria dos esperantos, participantes da Sua vida de luz, um tempo de vida digna (João 1,1-4). Passados séculos à espera do povo de Israel tornou-se carne, habitação, Jesus Cristo (João 1,4).
A celebração do Natal dos cristãos acontece há mais de 1600 anos, desde o século IV do cristianismo. O Papa Julius fixou o dia 25 de dezembro, data do nascimento de Jesus Cristo. Nessa data aconteciam as celebrações das festas pagãs em homenagem ao Deus Sol – natalis invicti solis, período que os romanos pediam por fartura. Tempo depois, o Deus Sol foi substituído por Mitra, um Deus da mitologia grega. A escolha deve-se também porque inexistem documentos que comprovem a data exata do nascimento de Cristo. Os próprios textos do Evangelho não determinam a data do nascimento de Cristo. A Igreja com o dia 25 de dezembro pretendia converter os pagãos ao cristianismo.
As narrativas bíblicas não deixam dúvida que Jesus Cristo nasceu em Belém da Palestina e era filho de José e Maria. Como judeus observantes as leis José e Maria saíram de Nazaré e viajaram aproximadamente 140 km até Belém, para participarem de um censo demográfico realizado pelo Império Romano. Chegando a Belém Maria e José não conseguiram pouso nas casas e nas hospedarias, foram abrigar-se numa gruta estábulo. Segundo o evangelista Lucas, após o nascimento de Jesus Cristo no estábulo, Maria e José receberam as visitas dos pastores (Lucas 2,1-20).
O evangelista Mateus narra que Jesus nasceu quando Herodes era rei de Israel e alguns magos do Oriente guiados por uma estrela, “a Estrela de Belém”, chegaram ao local onde estava o menino Jesus com Maria e José. Num gesto de adoração ao Menino Jesus, os magos entregaram como presentes a família ouro, mirra e incenso (Mateus 2,1-12). A tradição popular nomeia os magos do Oriente de Rei Melchior, Baltazar e Gaspar. Na época os magos eram tidos como sábios astrólogos, estudiosos do tempo histórico ou do kronos e do tempo de Deus ou do kairós, da manifestação divina. Mateus apresenta os magos esperando a encarnação de Deus e ao deduzirem a data do nascimento percorreram aproximadamente 1600 km de camelo para chegarem a Belém.
Em preparação do Natal do Senhor, os cristãos além da observância do tempo do Advento, da participação nas celebrações litúrgicas usam a linguagem simbólica, como árvore, estrela, presentes, velas, presépio, manjedoura, guirlandas, coroas e outros. Os evangelistas Lucas, Mateus e João narram que o povo de Israel preparou-se intensamente por meio das obras da justiça para celebrar a chegada do Salvador (Lucas 2,14). O nascimento de Jesus iniciaria um novo mundo para uma nova humanidade, que levaria a conversão e a reconciliação das pessoas com a vontade Deus (Isaías 7,14).
O nosso tempo é conduzido por convicções e projetos humanos que lançam trevas sobre a humanidade e causam grandes desigualdades sociais e econômicas. Esta realidade é sinal de afronta e de rejeição Daquela Luz que brilhou sobre a Terra de Belém há mais de dois mil anos. O sentido do Natal está sendo esvaziado e substituído por outros valores, e será preciso que os cristãos entrem num processo de vigilância espiritual e material. A vigilância na perspectiva do Evangelho fortalece a vida humana nos valores éticos, fraternos, solidários com o próximo e aos últimos. Quando a vigilância espiritual e material supera tamanhas injustiças praticadas a milhões de seres humanos desfavorecidos celebra-se verdadeiramente o Natal do Senhor (1Pedro 5,8).
Tempo de Advento é a oportunidade de renovar os cristãos, as famílias e a Igreja para participar da Nova Humanidade que foi inaugurada com o nascimento de Cristo. Advento é tempo de maior vigilância pelo projeto de Deus, o qual o povo de Israel depositou sua confiança lutando por trabalho, terra e teto para todos. A preparação do Natal do Senhor é um olhar em direção a milhões de famílias brasileiras que esperam uma luz em seus dias de tormento e sofrimento. Hoje, viver a vigilância cristã é enxergar a realidade e solidarizar-se com o povo que não encontra nas cidades acolhida, espaço e condições para conceber seus filhos de forma digna como ocorreu com José, Maria e o Menino Deus.
Num país de enorme desigualdade social e econômica que fere os princípios evangélicos e morais, tem-se muito a preparar, transformar, mudar, converter homens e mulheres pelo sentido do Natal. Em muitos casos as motivações de Natal que se oferecem são por vezes ilusórias e enganadoras, em que reina o mercado, comércio, compras, presentes e outros. A autêntica preparação espiritual e material pessoal, familiar e eclesial leva a conversão social que corrobora com a edificação da Nova Humanidade, inaugurada com a encarnação de Cristo no estábulo (1Coríntios 15,27). Há milhões de José e Maria periféricos, submetidos às péssimas condições materiais e humanas esperando por solidariedade e caridade Salvadora, da Luz iluminadora.
Na concepção bíblica cristã Advento é a preparação humana que converte espíritos e corações. Advento é a superação da indiferença social e a libertação pessoal e comunitária. O Natal que José e Maria celebraram foi a mais sublime experiência de comunhão com o Divino, do privilegiado encontro amoroso com o Menino Deus, e o lugar que tudo isso aconteceu foi numa solitária gruta estábulo de Belém. Enfim, vivamos o Natal do Senhor como José e Maria, que hoje são milhões espalhados pelo Brasil e pelo mundo a esperar que o Salvador entre suas vidas e famílias.
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