Os desejos de pós-pandemia
As interpretações sobre a pandemia da Covid-19 foram muitas, desde sua origem e até de sua durabilidade. Diariamente ouvimos as mais diversas interpretações, de infectologistas, cientistas e de leigos no assunto. Os primeiros comentários da parte de analistas leigos era que a pandemia levaria a um maior desenvolvimento do humano. Um bom número afirmava que a pandemia abriria um novo tempo e uma nova história. Para outros, a pandemia nos tornaria um novo ser humano. E ainda não faltaram os céticos. Na verdade, acreditar em comentário sem a ciência seria temerário e ingenuidade. Talvez, o tempo pós-pandêmico esteja próximo. Quanto a isto, há esperança e projetos diferenciados.
Dados apontados em pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), revela que as famílias de renda mais elevada do Brasil esperam aumentar principalmente o consumo de serviços de entretenimento, sobretudo, com viagens após a pandemia. A sondagem do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE), mostra que 70% dos consumidores com renda acima de R$ 9.600 mensais pretendem gastar mais com viagens, transporte, restaurantes, cinema e atividades sociais. As famílias com renda acima de R$ 10.000 a porcentagem que pretende gastar o dinheiro com viagens é ainda maior, próximo as 90%.
A pesquisa também apresentou as intenções das famílias com renda mensal mínima de R$ 2.100, a expectativa pós-pandemia é comer mais, consumir mais alimentos. A porcentagem da população desta classe social cresceu com a pandemia em 12,5%. A situação entre os mais pobres, com renda mensal inferior a R$1.000, a intenção é aumentar o consumo de itens, como alimentos, bens duráveis e roupas. Os dados da pesquisa foram apresentados pelo jornal Folha de São Paulo em reportagem do jornalista Eduardo Cucolo, publicada em julho de 2021.
A primeira observação sobre os dados é que os desejos dos ricos e dos pobres são diferentes. A segunda, os ricos continuam com a expectativa de aumentarem o consumo, e os pobres, com desejo de saciar o estômago embrulhado pela fome. Terceira observação, a pandemia aumentou o número de pobres significativamente em 12,5%. Quarta, aumentou-se a distância entre as classes sociais, ricos para um lado e pobres no outro extremo. Quinta, a pandemia não produziu a mudança de mentalidade, as pessoas continuam sendo as de sempre e com as mesmas intenções e necessidades. Sexta observação, as pessoas pensam a partir daquilo que se consome ou não, os saciados ricos nas viagens que sempre desfrutaram e os pobres, na comida, que nunca lhe foi suficiente. Obviamente, outras observações nos permite os dados da pesquisa do FGV.
Tudo isso merece uma profunda reflexão. Primeira reflexão, os dados da pesquisa da FGV mostram, de fato, que a pandemia foi um mal desnecessário. Em tese, não há mal que venha para o bem, ou nem todo. Segunda, a pesquisa mostra a que a história continua reproduzindo a mesma realidade, da desigualdade e da diferença social. Terceira, as classes sociais se consolidam e agora com maior diferenciação entre elas. Assim, a sociedade no seu conjunto manterá sua estruturação, uns poucos aproveitam os benefícios e outros, que são a maioria, continuaram sofrendo as carências materiais e humanas. Quarta, certamente, a superação desta estrutura social e econômica injusta não acontece na próxima pandemia. Mas sim, do acesso à educação, emprego, moradia, saúde, distribuição de renda, de oportunidades e outras.
Poderíamos aprofundar estudos dos dados da pesquisa da FGV, para compreendermos a sociedade como um todo na sua dinâmica própria das classes sociais. Acrescentemos ainda que um desejo de fim último = de sumo bem = de valor supremo = de vida digna = de felicidade plena, levaria a um questionamento esta realidade que lhe é própria de um sistema capitalista. A necessidade de reverter esta lógica excludente é irredutível, na perspectiva de superar o abismo entre classes sociais para falar no sentido “da vida”, “da existência”, “da opção fundamental de vida”. De fato, se cavarmos no subsolo dos desejos pós-pandêmicos o que encontraríamos; uma estrutura social: do homem que passa fome de sentido e do homem que passa fome de comida, ambos necessitados de algo mais profundo para a vida.
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