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O valor do salário mínimo é inconstitucional

Miguel Debiasi

Os textos bíblicos descrevem que o povo de Israel caminhando rumo a Terra Prometida revoltou-se contra Deus e seus líderes, sendo o motivo a falta de comida. Na carência do deserto, o povo de Israel preferia retornar à escravidão do Egito em troca de um prato de carnes e pão com fartura (Êxodo 16,3). O episódio do povo de Israel motiva a luta dos resignados trabalhadores que sustentam suas famílias com o salário mínimo.

A Constituição Federal de 1988 prescreve que o salário mínimo é considerado um preceito ético fundamental e encerra que o Estado tem o dever de cumprir o previsto constitucionalmente. No inciso IV do artigo 7º da Constituição, prescreve que a dignidade da pessoa é consequência imediata e lógica de uma boa remuneração. O inciso III do artigo 1º diz que dignidade da pessoa humana é fundamento no Estado Democrático de Direito da República do Brasil. Ao Estado cabe possibilitar condições dignas de vida a todos os trabalhadores, especialmente aos mais pobres, buscando igualdade social aos cidadãos.

O inciso IV do artigo 7º e inciso III do artigo 1º resguarda que não existe valor que supere o da pessoa humana, defendida pelo Estado como princípio absoluto. A doutrina constitucional prediz claramente que o salário mínimo está associado à dignidade da pessoa humana que é núcleo essencial da unidade dos direitos fundamentais, do Estado Democrático de Direito da República do Brasil. O salário mínimo é para elevação da dignidade humana como fonte ética de uma nação.   

O estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que o valor do salário mínimo previsto na Constituição seria R$ 6.388,55 em julho. Exatamente cinco vezes maior ao valor fixado pelo governo Bolsonaro, de R$ 1.212,00. Em julho de 2022 um trabalhador remunerado pelo salário mínimo utilizou 59,27% do valor para adquirir os produtos alimentícios. O tempo médio de trabalho necessário para adquirir os produtos da cesta básica é de 120 horas e 37 minutos.

A lei 14.434/2022 criou o piso salarial nacional do enfermeiro, do técnico de enfermagem, do auxiliar de enfermagem e da parteira. Em setembro os enfermeiros deveriam receber ao mínimo R$ 4.750,00 por mês; os técnicos de enfermagem no mínimo 70% disso, o exato R$ 3.325,00; os auxiliares de enfermagem e parteiras pelo menos 50% de valor, R$ 2.375,00. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro vetou essa correção anual e o piso salarial da enfermagem foi suspenso pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O artigo 170 da Constituição Federal prescreve que a valorização do trabalho humano é fundamento da ordem econômica, que visa assegurar a todos uma existência digna e buscar a justiça social. Num país onde o salário mínimo não atende sequer a necessidade de alimentação do trabalhador e de sua família, consequentemente, não assegura a dignidade humana, a unidade dos direitos fundamentais e o Estado Democrático de Direito da República do Brasil.

A privação das necessidades básicas é imoral. A baixa renda gera pobreza. Fere a dignidade humana e a Constituição Federal. Rompe a unidade dos direitos, criando duas Repúblicas do Brasil, a dos ricos e dos pobres. O salário mínimo foi constituído para garantir a dignidade da pessoa humana, assegurar saúde e bem-estar social ao trabalhador e aos demais atributos necessários para a subsistência das famílias. O valor de R$ 1.212,00 é inconstitucional, fere em todos os sentidos a vida com sua dignidade e não cumpre a Lei Constitucional.

 Os trabalhadores, desempregados, enfermeiros, técnicos, auxiliares e parteiras em estado de pobreza, com base na Constituição Federal tem motivos de sobra para uma revolta nacional frente aos grandes salários e mordomias garantidas a tantos servidores públicos e ocupantes de cargos governamentais. Após a revolta do povo de Israel em pleno deserto, o Senhor disse a Moisés: “Ouvi as queixas dos israelitas. Responda-lhes que ao pôr do sol vocês comerão carne e ao amanhecer se fartarão de pão” (Êxodo 16,11-12). A Constituição Federal de 1988 é um instrumento para a revolta do povo brasileiro, o povo de Israel manifestando-se contra Deus e seus líderes e obteve bons resultados. Aqui está o exemplo a ser seguido.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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