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Nossa bandeira nunca será vermelha!

Vanildo Luiz Zugno

 

Talvez você lembre da Rosângela. O vídeo dela viralizou. Foi em novembro de 2018. O contexto era uma manifestação no Congresso Nacional a favor de um golpe militar. A jovem senhora parou diante de uma bandeira do Japão ali presente e, com seu celular, gravou um vídeo. Com voz rouca e aos gritos, ela apontava para o “símbolo comunista” que, segundo ela, havia substituído a verde-amarela brasileira.

Jogado na internet pela própria Rosângela, o vídeo rodou o mundo e inspirou dezenas de memes. Dias depois, Rosângela se retratou da confusa identificação entre a bandeira do Japão e uma suposta bandeira comunista. Mas continuou a insistir que “nossa bandeira jamais será vermelha”.

O “equívoco” visual de Rosângela não foi único naqueles dias. Houve carros vermelhos apedrejados pelo simples fato de serem vermelhos. Amigos meus evitavam sair às ruas com roupas vermelhas. Nos parquinhos das praças, os brinquedos vermelhos foram repintados em verde ou amarelo. A tinta vermelha sumiu das lojas de materiais de construção. Lojista nenhum arriscava ser tachado de comunista por vender qualquer item com a perigosa cor.

Mas Rosângela não foi a única “cidadã de bem” em ver por todos os lados a ameaça comunista. Ela foi apenas uma entre milhões de brasileiros e brasileiras que, levados pela velha teoria da conspiração do “marxismo cultural”, a ver comunismo por todos os lados: na bandeira vermelha do Japão, nas ciclovias de São Paulo, nas cores dos semáforos, nos direitos humanos, na defesa da Amazônia, na Campanha da Fraternidade da CNBB, nos materiais didáticos das escolas primárias, nas Universidades... Até as novelas da Globo e os filmes do Netflix eram vistos como propaganda esquerdista. Ah! E houve os casos de ameaças imaginárias como a nunca localizada “mamadeira de piroca” e o jamais encontrado “kit gay”. Se alguém, por acaso, tiver algum exemplar desses itens, favor enviar. E aí, sim, teremos finalmente a comprovação da materialidade da ameaça do “marxismo cultural”.

Efetivado o golpe parlamentar de 2016 e a trapaça judicial que tirou o candidato da oposição do páreo, um novo governo foi eleito em 2018 em base a fake news. E aí uma outra bandeira vermelha começou a aparecer pelo Brasil. Ela foi vista no fundo de uma piscina na casa de um professor em Santa Catarina. Foi riscada por três homens na pele de uma jovem em Porto Alegre. Foi estampada na logomarca de um supermercado na Bahia. Quatro homens a desenharam na testa de um jovem gay de Itaguara, na Grande Belorizonte. Foi pintada sobre um mural da campanha de prevenção ao câncer de mama em Dourados. Enfeitou a braçadeira de um jovem que passeava por um shopping em Caruaru. Outros jovens desfilaram braçadeiras com a mesma bandeira vermelha em Unaí e Curitiba. A mesma foi desfraldada por homens vestidos com as roupas rituais da Ku Klux Klan no Parque Moinhos de Vento em Porto Alegre. Membros do mesmo grupo invadiram, no último dia 20 de outubro, a Câmera de Vereadores de Porto Alegre, em protesto contra a vacina. Em suas mãos, outra suástica nazista.

Será que a bandeira vermelha nazista está substituindo a verde-amarela brasileira? Onde está a Rosângela para proclamar que “nossa bandeira nunca será vermelha”?

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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