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Nem tudo o que reluz é ético

Gislaine Marins

Sexta-feira passada estava no supermercado diante de uma gôndola, quando peguei uma caixinha de ovos sem uso de antibióticos e ouvi a pergunta:

- Será que dá para confiar?

- Espero que sim - respondi. Do contrário é grave.

A senhora concordou comigo e emendou com a polêmica do momento: - E agora, com a farinha de inseto? (A Itália acabou de introduzir a norma europeia que permite o uso de insetos sob várias formas na indústria alimentar.)

- Leia bem a etiqueta - recomendei. Mas isso não é novidade. Quando cheguei à Itália, lia a etiqueta de tudo. A gente não imagina o que colocam nas salsichas e nos hambúrgueres.
Cumprimentamo-nos rapidamente e seguimos com as nossas compras.

Em 2005, visitando o Rio de Janeiro com meu marido, recebemos a sugestão do hotel para visitar uma joalheria. Meu marido aceitou na hora, ele queria me presentear com algo que lembrasse eternamente o meu país.

Levados por uma van, fomos conduzidos à sede da empresa e convidados a apreciar a produção da empresa. Ao final do percurso, sentávamos diante de um consultor que oferecia algo que pudesse corresponder ao nosso gosto. Não sem antes oferecer chá, água ou café.

Pedimos água.

Trouxeram um copo de cristal para o meu marido e um copo de plástico descartável para mim.

Como eu não queria deixar o meu marido triste, não comentei na hora. Era um evidente caso de discriminação. Ou acharam que eu era muito brasileira para usar copo de cristal, ou acharam que eu era muito escura para ser esposa de um "gringo", ou acharam que eu era muito prostituta esperando receber um presente especial do meu cliente. Em todos os casos, era muita discriminação.

Com calma, depois de sair da joalheria, contei ao meu marido o que tinha acontecido. Na época, ele conhecia pouco o Brasil e achava que tudo não passava de um equívoco. Talvez os copos de cristal tivessem acabado. Hoje ele sabe que nem tudo o que reluz é ético.
Uma amiga minha foi passar a lua-de-mel no Nordeste. O marido muito loiro, como muitas pessoas no Sul do Brasil, era confundido com um estrangeiro. E ela, que tinha cabelos pretos, era tratada como garota de programa. Em um restaurante, perguntaram se o homem pagava bem. Ela disse que era seu marido. Pediram desculpas. É que nada acontece por acaso: a ignorância é um projeto, diria Darcy Ribeiro.

Na semana passada estava indo para o trabalho e passei por um furgão de uma grande companhia de logística. Era um veículo elétrico e na lataria tinham pintado uma frase: "Isto é simplesmente natural". Fiquei pensando no dono da Tesla, quando declarou que não teria dúvida em influenciar governos para obter lítio a baixo custo: acabávamos de ver o golpe na Bolívia. Não acho natural destruir as montanhas bolivianas e a vida da população para ter carros elétricos a baixo custo. Nesse sentido, o petróleo é tão natural quanto o lítio e causa tantas desgraças quanto qualquer terra rara no mundo.

Enfim, no ano passado descobri que muitas empresas que trabalham com ouro na Itália não têm condições de demonstrar que o material usado para a produção de jóias é legal. Então, nos últimos dias, eclodiu a tragédia yanomami.

Realmente, nem tudo o que reluz é ético: dos ovos aos carros elétricos, das salsichas aos nossos anéis. Seria bom perder tudo e ficar com os dedos, a consciência limpa e um futuro realmente sustentável: que preveja a sobrevivência dos povos originários e não apenas o ar que respiramos nas cidades europeias a custo de vidas nos países pobres.

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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