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Menos estruturas, mais missão

Miguel Debiasi

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lucas 4,18-19). Pensar menos nas estruturas e mais na missão do Evangelho, é o grande desafio da Igreja e das circunscrições religiosas.

No Antigo Testamento os profetas são os grandes protagonistas da história da salvação. A vida e a boca do profeta são abrasadas pelo fogo de Deus e que anuncia a todos o que de Deus ouviu (Isaías 61,1-1). Jesus, como o grande profeta da história, anuncia ao povo não somente a radicalidade do movimento de Israel, mas o Novo Tempo, o da libertação, “cumprir a mensagem da Escritura” (Lucas 4,21). Para cumprir essa missão, Jesus constituiu a comunidade de discípulos e de discípulas itinerantes que percorriam vilarejos e cidades anunciando a Boa Notícia do Reino de Deus (Marcos 3,13-19). Entre os escolhidos, deu a Pedro a responsabilidade de coordenar e animar a missão da Igreja da itinerância (Mateus 16,18). A Igreja itinerante, instituição humana e divina, evoluiu historicamente pelo dinamismo do Evangelho e pela criatividade pastoral inerente à comunidade cristã.

A palavra Igreja vem do termo grego ekklesía que significa “curral” ou “abrigo de ovelhas”. O termo ekklesía é composto de dois radicais gregos: ek, que significa para fora, e klesia, que significa chamados. No sentido primitivo a Igreja e os cristãos são chamados para fora do mundo, mas ao mesmo tempo enviados ao mundo para levar a Boa Notícia, o Evangelho de Cristo aos que estão no mundo. Jesus mesmo mostrou o caminho e a prospectiva da ação da Igreja: direcionar sua atuação para os que estão fora do aprisco, do templo: os perdidos, excluídos, sedentos da justiça de Deus (João 10,7-9; Marcos 13,1-2; Mateus 10,11-12).

Os escritos neotestamentários apresentam a Igreja primitiva que se reunia nas casas: “Quanto a Saulo, devastou a Igreja: entrando pelas casas, arrancava homens e mulheres e metia-os na prisão” (Atos dos Apóstolos 8,3); “dando-se conta da situação, dirigiu-se à casa de Maria, a mãe de João, e que tem o cognome de Marcos. Ali se encontravam muitos, reunidos em oração” (Atos 12,12). A matriz do anúncio e da vivência do Evangelho foi na Domus Ecclesiae, a Igreja doméstica.

No decorrer da história, a Igreja gerou instituições e estruturas, mas estas não são o centro, como testemunha Paulo: “Saudai Prisca e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus... Saudai também a Igreja que se reúne em sua casa” (Romanos 16,3-5). Nesse modelo da casa, a Igreja não é uma instituição fechada sobre si mesma, mas uma comunidade aberta à participação de todas as pessoas, gêneros, povos e raças. Na Igreja casa os cristãos exercem a diaconia no ser e na missão da Igreja, a condição para acolher e fazer frutificar o anúncio do Evangelho (1Coríntios 12). A Igreja da casa fiel à missão do Evangelho se expandiu pelo mundo criando uma nova estrutura chamada no termo grego paroikía.

O termo paroikía é uma junção da preposição pará, que significa do lado de, perto de, junto de, com o substantivo oikía, traduzido por casa. No Novo Testamento paroikía é uma casa provisória, casa de peregrinos, os cristãos eram e consideravam-se como estrangeiros (Efésios 2,19; 1Pedro 1,7; Atos dos Apóstolos 19,13). No termo paroikía há um duplo significado: peregrinar no estrangeiro e viver em vizinhança. Pedro fala neste sentido, numa eleição de um povo feita pela presciência de Deus: “Chegai-vos a ele, a pedra viva, rejeitada é verdade pelos homens, mas diante de Deus eleita e preciosos [...]. Mas vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de sua particular propriedade... vós que outrora não éreis povo, mas agora sois o Povo de Deus” (1Pedro 2,4.9). A parokía designa o povo de Deus, a comunidade cristã atuante no mundo.

A partir do século IV com o reconhecimento da Igreja Cristã como religião oficial do Estado provocou novas situações para a comunidade de seguidores/as de Jesus Cristo, pois passou a ocupar os lugares pagãos e as estruturas do Império. Aos cristãos que se reuniam em pequenas casas surgem novas perspectivas de grandes reuniões e assembleias públicas, sendo o passo definitivo para a institucionalização do sistema diocesano e paroquial, que foi se tornando um sistema patriarcal. A Igreja da casa passa a ser organizada ao redor do bispo e de presbíteros, com base no espaço territorial urbano ou rural. No século V os bispos começam a fazer concessões aos senhores feudais, oferecendo-os sacerdotes e tornando-os seus empregados, trazendo fortes consequências de isolamento da Igreja do mundo urbano.

Mais tarde, o Concílio de Trento (1545-1563) determinou que o pároco residisse junto à cidade. Por isso, o Código de Direito Canônico de 1917 definiu a paróquia como uma circunscrição local, pastoral e administrativa ligada à diocese (cânone 215ss). Já o Código de Direito Canônico de 1938 definiu a paróquia como uma comunidade de fiéis, constituída de modo estável e confiada aos cuidados pastorais de um pároco.

No percurso do cristianismo as paróquias foram se instalando nas cidades, mas demonstrando dificuldade de evolução enquanto sistema e criatividade pastoral nos ambientes urbanos. Embora o Concílio de Trento tenha definido melhor a noção de paróquia, em vista da atualização e renovação da Igreja Católica, os resultados restringem a preocupação sacral e sacramental, levando ao esfriamento do dinamismo pastoral. Esse modelo diocesano-paroquial constituído pela ideia religiosa da cristandade estabeleceu-se nas áreas urbanas e rurais construindo grandes estruturas materiais como templos, salões, centros pastorais e outros. As circunscrições religiosas colaboraram com a Igreja nesse processo de evangelização construindo grandes conventos, escolas, hospitais, centros universitários e outros. A criação das estruturas demandou muitos recursos humanos e econômicos sobrepondo-se à prioridade da missão do Evangelho.

Para ressignificar a presença da Igreja e das circunscrições religiosas contemporâneas, será preciso pensar menos nas estruturas e mais na missão. A “Igreja em saída” com rosto sinodal, como motiva o Papa Francisco, se tornará realidade priorizando a missão do Evangelho. Desfazer-se das estruturas sem paixão pela missão do Evangelho não mudará a situação da Igreja e das congregações religiosas. O profético redimensionamento das estruturas materiais e recursos humanos acontecem pela paixão ao Cristo itinerante. A Missão de Cristo é um constante partir. Estruturas materiais sem missão é um ficar constante.  

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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