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Genivaldo x Presidente

Miguel Debiasi

“Nenhuma época soube tantas e tão diversas coisas do homem como a nossa. Mas em verdade, nunca se soube menos o que é o homem”. Martin Heidegger (1889-1976) foi um filósofo alemão existencialista, um dos maiores pensadores do século XX. Seu pensamento é coerente ao tempo em que vivemos, onde homens matam o semelhante com a maior brutalidade sem o mínimo remorso e na certeza de não serem punidos pelo malfeito abominável. Estamos vendo este homem no Brasil, sua identidade permanece desconhecida, não totalmente.

 

Heidegger escreveu muitas obras, a mais conhecida o Ser e Tempo (1927); Novas Indagações sobre a lógica (1912); O Problema da Realidade na Filosofia Moderna (1912); O conceito de Tempo na Ciência da História (1916); O Que é Metafísica? (1929); Da Essência da Verdade (1943); Da Experiência de Pensar (1954); O Caminho da Linguagem (1959); e Fenomenologia e Teologia (1970). Heidegger é a grande autoridade para falar da existência humana. Seu estudo se baseia na ideia de que o homem é um ser que busca aquilo que não é. O homem pensa em um projeto de vida que pode ser eliminado pelas angústias. A condição de angústia leva o homem a isolar-se de si mesmo, ou transcende suas dificuldades ou deixa-se dominar por elas. Nessa situação o homem permanece com um projeto de vida inacabado.

Na obra Ser e Tempo, Heidegger pergunta-se pelo sentido do ser e afirma que o único ente diverso dentre os outros existentes, é o Dasein ou ser-aí. E se pergunta: quem é Dasein? Dasein é o ser-aí. O eis-aí-ser. No termo alemão Dasein designa a manifestação do ser enquanto ente. Enquanto ser existente. O Dasein é a existência, não o espírito enquanto síntese de corpo e alma. Dasein pode ser caracterizado fora da existência pelo compreender-se e seu projetar-se. O Dasein é um poder ser. O poder ser existência nunca é algo já feito, acabado. Dasein ou existência permanece sempre em construção. A existência é um projeto para seu futuro. A existência que ainda não é ou reside na não totalidade.

A partir da temporalidade ou do tempo podemos falar das condições estruturais do ser existência do homem. Dasein ou a existência do homem tem caráter estrutural de ser-no-mundo, ser-com-os-outros e ser-para-a-morte. A existência é ser-no-mundo o ser ente é compreendido dentro do mundo. O mundo é o contexto em que a existência do homem entrega-se às ocupações, como modo de ser-no-mundo. O Dasein ou a existência ser-junto-os-outros ou ser-junto-a ou junto aos entes é produção. É criação. É transformação. É ser totalmente envolvido. Ser-no-mundo e ser-junto-a também é ente que caminha para a morte. O homem é ser inacabado que caminha junto aos outros entes para a morte. A morte é a essência da existência, ou seja, o poder-ser. Ninguém pode assumir a morte do outro.

Para Heidegger sem mundanidade e temporalidade não pode existir o homem. O homem é ser no mundo necessitando da presença do outro, do encontro com os outros, fazendo acontecer à existência. A convivência com o outro tem um papel imprescindível na vida, pois é através dela que o homem se humaniza. O Dasein ou a existência carrega consigo a pergunta pelo sentido da vida do homem. Esta é uma pergunta que o cidadão brasileiro se faz frente aos fatos ocorridos no país.

O ilustre cidadão brasileiro Jair Bolsonaro, 67 anos, não estava usando capacete quando pilotava uma motocicleta no dia 7 de maio, em Santa Rosa, no Rio Grande do Sul. Jair Bolsonaro também foi fotografado pilotando uma motocicleta em Guarujá (SP), Quixadá (CE), Rio Madeira (RN) sem capacete. Segundo o Código Brasileiro de Trânsito, o Bolsonaro não cometeu crime, apenas infração pela qual deveria ter sido advertido e não se tem notícia que ele foi abordado e admoestado. Muito menos não sabemos se foi aplicada a multa de R$ 294,47 que a legislação prevê. Também os cidadãos brasileiros não foram informados se a Polícia Rodoviária Federal abriu investigação para apurar estes fatos.

O cidadão brasileiro Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, não estava usando capacete quando pilotava uma motocicleta no último dia 25 de maio, em Umbaúba, litoral sul de Sergipe. Genivaldo também não cometeu crime, apenas a infração de trânsito. Mas foi arrancado a tapas de sua moto por policiais rodoviários federais. Como não bastasse, foi insultado, xingado, empurrado, derrubado, algemado e arrastado para a viatura policial e jogado no porta-malas. Com as pernas de fora do porta-malas um policial o pressiona com violência jogando o capô da viatura e outro o sufoca com gás, enquanto Genivaldo suplicava por socorro e as pessoas aos gritos pediam misericórdia pelo indefeso. Genivaldo tinha transtornos mentais que nunca cometera crime. Era um cidadão vulnerável que merecia total proteção do Estado que infelizmente não teve esse direito. Deixou sua esposa e um filho de 7 anos. As imagens da morte de Genivaldo causada por gás saindo do porta-malas da viatura e pelo uso da violência policial correram ao mundo.

A Dasein ou a existência do homem Genivaldo não teve os mesmos tratos e direito do Jair Bolsonaro por parte da Polícia Rodoviária Federal. Convenhamos que a diferença no tratamento é gritante, asquerosa, repugnante. Genilvado era pobre, negro, pessoa deficiente, indefesa, trabalhador informal que foi vítima da truculência da Polícia Rodoviária Federal que o levou a morte. O povo já o elegeu como mártir do Brasil. O Jair Bolsonaro, cidadão branco, rico, Presidente da República, que não obedeceu às leis de trânsito obteve toda segurança, escolta para pilotar a motocicleta sem capacete, pior, com o combustível pago pelo povo brasileiro. Alguém ainda duvida que no Brasil não há racismo? Que não há duas medidas diferenciadas para a mesma lei? Que não há intolerância, ódio e perseguição aos últimos da sociedade? Que não há a sociedade de cima que goza de todos os privilégios pagos à custa do povo? Que não há a sociedade de baixo, os humilhados e que submetem a viver com míseros reais mensais e muitos catando resíduos de lixo?

Heidegger diria que o Dasein ou a existência destes últimos é uma angústia, um projeto inacabado. Ser-no-mundo, ser-junto-a também é uma caminhada para morte, mas digna, honrosa, ética. Genivaldo e milhões de brasileiros foram banidos do ser-no-mundo e de ser-junto-a uma pátria digna de forma perversa e humilhante. Esses são mártires que o perverso sistema produz diariamente em nosso país, ferindo de morte toda existência humana. Heidegger diria que o povo brasileiro vive sob uma terrível angústia, plenamente agoniados por aflições de mortes.  

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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