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Comunidade: o paraíso perdido

Miguel Debiasi

 

No Brasil nos últimos anos a violência chegou a números alarmantes. A taxa de homicídios, em 2018, foi 30 vezes superior à da Europa. Em todas as cidades, inclusive as menores, do interior, semanalmente são registrados casos de homicídio. O Brasil tornou-se uma nação violenta. A superação deste grave problema social e cultural passa pelo resgate do valor da comunidade: um paraíso perdido, segundo Zygmunt Bauman.

Em 2018 a Igreja do Brasil propôs uma reflexão pública em prol da superação da violência sob a ideia motivadora: “Em Cristo somos todos irmãos” (Mateus 23,8). Porém, mediante o crescimento da violência no Brasil parece ter sido uma reflexão e um trabalho infrutífero da Igreja e da sociedade. O registro do crescimento da violência é alarmante aos brasileiros que sonham ser uma nação mais fraterna e de relações sociais pacificadas. Segundo o Atlas da Violência de 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o número de assassinatos cometidos no país chega a ser 30 vezes superior ao da Europa.

Em termos de registro numérico, em 2018 foram 62.517 assassinatos, um total de 153 mortes por dia. Em menos da década 553 mil brasileiros perderam a vida por morte violenta. Os homicídios, segundo o Ipea, equivalem à queda de um Boieng 737 lotado diariamente. Os números representam quase 10% das mortes no país e atingem principalmente homens jovens entre 15 e 19 anos. Desses assassinatos 56,5% foram de mortes violentas. Os números também revelam um retrato da desigualdade racial no país, pois 71% das pessoas assassinadas são negras ou pardas. O impacto das armas de fogo também chega aos mais elevados níveis, em 71,6%.

Falar em liberação de armas para defesa pessoal é hipocrisia absoluta. É não querer levar a situação a sério e buscar soluções plausíveis. Esta medida só promove mais violência, logo, mortes. A única defesa pessoal segura para todos vem da educação, cultura, relações sociais pacificadas e respeitosas entre os cidadãos. Propor segurança a partir das armas é promover homicídios, violência, mortes, brutalidade entre pessoas em situação vulnerável. Seguramente, nenhum cidadão está seguro portando uma arma. Em contrário, aumenta a situação de insegurança que existe nas pessoas e nas relações sociais.

O filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) diz que as palavras perderam a força do significado em sociedade contemporânea. Entre as que perderam significado está a palavra comunidade. Contrapondo este movimento cultural secular, sugere uma educação que resgate o significado da palavra comunidade, pois é imprescindível a qualquer ser humano a pertença a uma comunidade, por ser ela “um lugar cálido, um lugar confortável e aconchegante”. Na e pela comunidade o ser humano está seguro e capaz de superar toda espécie de violência. A comunidade é o lugar de confiar uns nos outros. Nela tudo é amigável: palavras, atos, relações, desejos.

Mais, na comunidade conta-se com a boa vontade dos outros. Na realidade, se algo de ruim acontecer o vitimado conta com a solidariedade dos outros. Neste sentido, ninguém se alegra com a desgraça alheia. Mas, pelo contrário, manifesta espírito de solidariedade e de compaixão. A comunidade representa algo bom, coisa boa a todos os cidadãos. Diante da triste realidade de violência, insegurança, ódio e intolerância que vive o povo brasileiro, faz-se necessário repudiar a política de que as armas trazem segurança. Em contrapartida, é preciso ter uma visão ética da economia e da política para caminhos mais humanos de superação da realidade de mortes. O caminho mais urgente, lógico e viável à segurança e à liberdade das pessoas é fortalecer a comunidade, o paraíso perdido da cultura contemporânea.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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