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Com a ressurreição: somos vida!

Miguel Debiasi

No contexto bíblico o mistério de Cristo, ou sua vida, paixão, morte, ressurreição e ascensão ao céu desenvolvem-se inteiramente no itinerário de fazer-a-vontade-do-Pai que o enviou ao mundo. A encarnação e a vida de Jesus Cristo fazem a vontade de Deus, que o Filho a realizou com perfeição (João 5,19). A vontade do Pai assumida pelo Filho torna-se o sinal de todo homem mortal-moral-religioso. O querer de Deus é a virtude do homem que busca a perfeição da vida, concluída com a ressurreição dos mortos.

Nos textos bíblicos o homem ou a pessoa humana, é visto como uma criatura privilegiada de Deus, feito “a imagem como semelhança” do próprio Criador. Portanto, o senhor de todas as coisas criadas por Deus sobre a terra (Gênesis 1,26). Os sábios gregos já falavam de “assimilação de Deus”, mas acreditavam em poder alcançá-la com o intelecto, com o conhecimento. No sentido bíblico, assemelhar-se a Deus significa fazer a vontade de Deus. Assemelhar-se é um fazer o querer de Deus. É exatamente essa capacidade de fazer livremente a vontade de Deus que coloca o homem acima de todas as coisas criadas.

Nesse sentido, praticar a vontade de Deus é o caminho que responde a todo criado, ao homem individual, como apontam as parábolas da “ovelha perdida”, e do “filho pródigo” (Lucas 15). Lucas indica esse itinerário humano com insistência em fazer-a-vontade-do-Pai: pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e será aberto. Pois todo o que pede recebe; o que busca, acha; e ao que bate, se abrirá (Lucas 11,9-10). A mesma disposição de fazer a vontade do Pai expressa o salmista: “o Senhor é o meu abrigo e fazes do Altíssimo o teu refúgio” (Salmo 91,9). A segurança total do humano é viver na vontade de Deus Pai.

Ao homem, viver-e-fazer-a-vontade-do-Pai consiste em acreditar e participar da ressurreição dos mortos. Jesus Cristo fala abertamente dos mortos recebidos no “seio de Abraão” (Lucas 16,19-31). Há uma passagem bíblica bastante conhecida, a de Jesus com os saduceus sobre o tema da ressurreição dos mortos. Os saduceus que eram a aristocracia laica e sacerdotal, a elite econômica, social e religiosa da sociedade judaica se aproximam de Jesus ironizando a ressurreição. Este grupo de aristocratas apresentam a Jesus um absurdo caso hipotético de vários irmãos que, sucessivamente e de acordo com a lei do levirato, casam-se com a mesma mulher e todos morreram sem deixar filhos (Deuteronômio 25,5). Por fim, também a mulher morre. Estes perguntam, na ressurreição, de qual deles vai se tornar mulher? (Lucas 20,27-33). Como bom pedagogo, Jesus responde rejeitando a ideia infantil dos saduceus que imaginavam que a vida dos ressuscitados como um prolongamento desta vida, com suas estruturas e experiências humanas temporais. A ressurreição consiste numa Nova Criação. Na ressurreição a vida é completamente nova. A ressurreição é algo que está para além de toda experiência terrestre. Pois, todos fomos criados “a imagem e na semelhança” de Deus, portanto, destinados à vida plena.

A vinda de Cristo, a sua paixão e a sua ressurreição são o fato que subverte completamente a vida humana. A partir do mistério pascal de Cristo o cristianismo não aponta para imortalidade da alma, mas sim para a ressurreição dos mortos. A ressurreição dos mortos é a grande Boa Nova que Cristo revelou ao mundo. A fé do cristão tem a marca da ressurreição. A ressurreição implica também o retorno do corpo à vida. O fato do cristão acreditar na ressurreição dos mortos e da carne ou do corpo, isto constituía um gravíssimo obstáculo para os filósofos gregos. Aos gregos era um absurdo renascer aquele corpo que era visto por eles como obstáculo e como fonte de toda negatividade e de mal. Paulo, apóstolo, no Areópago, em Atenas, quando lhe fala em ressurreição dos mortos, alguns filósofos gregos, os estoicos e epicureus, não lhe permitiram que continuasse seu discurso (Atos dos Apóstolos 17,16-31).

A concepção de ressurreição dos cristãos é bem diferente da ideia dos gregos, dos saduceus e outros modernos indiferentes. A verdadeira ressurreição, que é do corpo, não com o corpo. Pois, ressuscitar equivale a levantar-se para uma vida definitiva, não de um só corpo, mas de todos os corpos que radicalmente fizeram a vontade de Deus Pai. A compreensão do corpo ressuscitado, não está na medida grega, mas a de Deus que está para a nova dimensão da vida. Com a ressurreição dos mortos, os cristãos compreendem de onde vem sua vida e para onde chegamos, porque Deus chegou a fazer-se-carne para salvar o homem pela ressurreição dos mortos (Hebreus 9,11-12). A salvação humana não pode vir das coisas, mas de Cristo que vive a vontade daquele que o enviou que é esta: “que eu não perca nada do que ele me deu, mas o ressuscite no último dia” (João 6,39). Com a fé na ressurreição dos mortos superamos a ideia da reencarnação e chegamos à conclusão: mais que ter vida somos a vida. Obviamente, somos a vida quando fizermos a vontade de Deus, a exemplo de Jesus Cristo que não temeu passar pela paixão e a mansão triste dos mortos, confiante que iria ser glorificado pelo Pai com a ressurreição.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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