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As grandes redes gozam do poder ...

Miguel Debiasi

O processo de globalização e avanço das tecnologias de produção impactaram nas estruturas organizacionais das empresas. No ritmo dessas duas forças, empresas se organizaram em forma de rede e de incorporação de grandes grupos. Em tese, a nova forma na organização empresarial visa maior qualidade, produtividade e competitividade. Isto resolve os problemas das empresas e de seus acionistas e credores?

A organização das empresas em forma de rede é um fenômeno novo na história da economia mundial. Tem contribuído para essa organização o liberalismo econômico, doutrina econômica e política que surgiu no século XVIII e consolidou-se no século XIX, como maneira de atender aos anseios da burguesia de expandir a industrialização e comercialização da produção. Para alcançar este objetivo, o liberalismo econômico defende a não interferência do Estado na economia para que esta fosse regulada por si mesma e pudesse crescer, como única saída viável para beneficiar a todos, os mais ricos e os mais pobres.

O liberalismo econômico previa o crescimento e a expansão industrial, fazendo gerar mais emprego e renda. Mas o abismo social existente entre a burguesia e o proletariado aumentou drasticamente e a qualidade de vida das camadas mais pobres da população piorou. Esta realidade questiona o liberalismo econômico não sendo mais alternativa e a situação leva a pensar em outra economia, talvez mais solidária, comunal, ética e outras.  

Normalmente quando refletimos sobre qualquer ciência, revisitamos a civilização ocidental que começou na Grécia Antiga. Os filósofos gregos, cada um com sua particularidade intelectual contribuíram com o processo de desenvolvimento de conhecimento. Em razão disso são ditos como pais da epistemologia, da ética, da política, do direito natural e de outras ciências.

Com tantas contribuições os pais da sabedoria, os filósofos gregos, não desenvolveram uma disciplina e uma ciência econômica e um estudo e formas de mercado. Mesmo que tenham pensado o sistema de Estado, que busca regular e organizar a vida cívica, da responsabilidade com a polis ou a cidade e a sociedade civil, por meio da liberdade individual e democrática, estes não aprofundaram a questão da economia.

Os três maiores filósofos da Grécia Antiga – Sócrates, Platão e Aristóteles, quando falavam sobre economia, estes pouco falaram sobre este tema. Por conseguinte, foi por meio destes filósofos que começou a tradicional oposição dos intelectuais a qualquer coisa que envolva comércio, indústria, lucros e empreendedorismo. A “mentalidade anticapitalista” se torna uma reflexão constante entre os pensadores ao longo da história.

Sócrates acreditava que o objetivo ideal da vida estava na busca pela “virtude”, entendida como um desdém pela riqueza material e, especialmente, pelo lucro e acumulação de bens materiais. Platão usava de ataques à propriedade privada pela louvação à propriedade comunal, assim manifesta todo seu desprezo pelo dinheiro. Aristóteles embora não tenha ido aos extremos socialistas visitados por Platão, mas foi incapaz de entender em termos científicos a economia e ordem do mercado.

Nestes diferenciados filósofos que continuam a influenciar a filosofia e as ciências, não há em seus estudos um conceito preciso de economia. Talvez seja porque a economia implique um conjunto de atividades de produção, distribuição e consumo de bens e serviços necessários à sobrevivência e à qualidade de vida da população mundial. A princípio, para estes filósofos, esta seria uma atribuição do Estado. Hoje, muitos teóricos defendem que esta é uma função dos homens de negócios, de mercado e não atividade essencial do Estado.

Obviamente, que não cabe aos grupos que dominam o mercado fazer da economia uma serva de seus interesses e esvaziando sua função de gerir o bem comum coletivo. A poucos anos atrás deu-se início no Brasil por um grupo de servidores do Ministério Público do Estado do Paraná a chamada operação Lava Jato. A operação por conta do apelo midiático e de sua audiência aconteciam prisões de políticos e empresários, isto em ritmo de seriado dramático, com altas doses de sensacionalismo. Com esse suporte, muitos políticos e empresários foram colocados sob suspeição da opinião pública, como corruptos e corruptores da ordem e da moral.

O escândalo da Americanas e seu rombo contábil é fato que contém muitos ingredientes: envolve gente importante, grandes somas de dinheiro, corrupção nos poderosos grupos econômicos, fraude de contratos, guerra entre acionistas, bancos, credores e varejistas. O desvio de 43 bilhões seria o fato perfeito para um jornalismo independente e profissional e para uma investigação pública. Mas vemos uma cobertura jornalística burocrática, asséptica e previsível como um anúncio de compra Black Friday.  

Na falta de interesse para investigar os fatos, culpados do escândalo da Americanas, a imprensa deixa de provocar uma reflexão sobre a política econômica neoliberal, os limites da globalização, da formação de redes de empresas que usam de uma pirotecnia contábil e criam confusão de mercado e outros. Enquanto isto, os sócios da Americanas – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira continuam a gozar de benefícios e são tratados como semideuses do capitalismo do bem.

Esse apagão jornalístico não é fato isolado, ele ocorre historicamente em função de preservar: o caráter dos super-ricos, o mito da moralidade, da eficiência, da meritocracia, da infalibilidade dos deuses da economia e mercado. Na intenção de esconder o fato, não se questiona os alicerces do liberalismo econômico que se organiza grandes redes de empresas que competem a ponto de desregular os mercados, acumular capital e causar a disfuncionalidade do próprio capitalismo neoliberal, salvo exceções.

Fato é que fica difícil ignorar um calote de 43 bilhões. Enquanto não há nenhuma operação especial do Ministério Público e a imprensa silencia, mantém-se status quo ou estado atual. E o estado atual nós sabemos a quem favorece ...    

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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