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Angústia e medo

Vanildo Luiz Zugno

 

Acabo de ler “A História do Medo no Ocidente”. Fazia tempo que estava na minha lista de espera. Agora, em tempo de pandemia, tirei-o do descanso da estante e me dei ao agradável trabalho de percorrer suas mais de 500 páginas.

Um grande livro do excepcional historiador Jean Delumeau. De forma concisa e profunda ele analisa os medos que percorreram a Europa do séc. XIV ao séc. XVII. Época do Renascimento da cultura clássica e aprofundamento dos medos da Idade Média. Medo da fome, da peste, da noite, do mar, da guerra, do fim do mundo, dos hereges, do diabo, dos judeus, dos turcos, das mulheres, das feiticeiras.

Medos que são organizados pelo autor em dois grandes blocos: o medo das classes populares e os medos das classes dirigentes. Os pobres têm medo daquilo que lhes ameaça a subsistência e a sobrevivência. As classes dirigentes, nobres e clero, têm medo dos pobres que, acossados pela necessidade, podem provocar o caos no qual os ricos serão submergidos com suas riquezas.

De onde nascem estes medos? Ao longo do texto e com sólida argumentação, o autor demonstra que estes medos só foram possíveis porque a sociedade europeia vivia um tempo de angústia. Com efeito, angústia e medo são coisas diferentes. Em termos sociais, a angústia nasce da situação de instabilidade que leva à incerteza do amanhã. As profundas transformações culturais, econômicas, políticas, sociais e religiosas porque passava o continente fazia com que ninguém tivesse segurança quanto ao futuro – imediato e mediato – que lhe caberia viver.

A angústia, enquanto fenômeno social, é indefinida e abrangente. Abarca o todo da vida e é de difícil solução pois não depende da vontade do indivíduo ou de um grupo. Para os que dominam a sociedade e a cultura, a melhor forma de superá-la é através do medo. Este direciona a angústia para um inimigo específico e apresenta-o como culpado de todos os males. Eliminando o fator de medo, a sociedade crê eliminar a angústia que a invade e assim garantir outra vez a estabilidade.

O grupo social apontado como aquele que deve ser temido e combatido, torna-se “bode expiatório” sobre o qual é jogada a angústia da sociedade. Sua morte é vista como um sacrifício necessário para a sobrevivência de todos. Aquele que o elimina, é um herói a ser exaltado. Tal lógica explica os massacres dos camponeses, dos judeus, dos muçulmanos, dos ciganos, dos hereges, das feiticeiras...

E, digo eu, talvez extrapolando Dellumeau, explica os medos que hoje são criados para desviar a atenção da angústia de nossa desigual sociedade. Sem curar a causa, não adiante tratar o sintoma. Medo é sintoma, muitas vezes falsificador da verdadeira causa da doença de nossa sociedade.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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