Alteridade: colocar o outro no lugar
Em tempos de profunda indiferença social que afeta bilhões de pessoas, à luz dos princípios do Evangelho é preciso buscar a superação desta problemática humana. O Evangelho orienta para a prática da compaixão. Os cristãos fiéis ao Evangelho já provaram historicamente que são capazes de práticas solidárias com as pessoas em total desalento humano e social. Pela força do Evangelho, logo, por vocação cristã, é preciso colocar-se no lugar do outro, do sofredor, e dessa forma fazer a diferença numa sociedade da indiferença.
Alteridade, do latim alter, significa o outro, diferente, o oposto, contrário. Alteridade, do grego hé-teros, significa outro. E no sentido derivado, alterar, significa colocar outro no lugar. O filósofo e pedagogo austríaco e naturalizado israelita, Martin Buber (1878-1965) em sua obra Eu e Tu, reflete sobre a dimensão da alteridade na existência humana. Este escritor judeu situa o encontro com o outro como elemento de humanização e potencializador do sentido da existência humana. Para Buber, viver significa ser interpelado pelo outro, e isso implica essencialmente na capacidade de escuta.
Nesta prospectiva o termo alteridade como relação coloca o outro no lugar sem a negação e a subordinação do meu eu à outra pessoa. Isto significa que o outro, com a sua presença, interpela-me e chama-me a tomar uma atitude face à sua existência. A interpelação pela presença do outro demanda uma atitude humana de respeito pela razão da pessoa humana ter em si mesma um valor incondicional. A indiferença é a violabilidade da sacralidade da existência do outro, o qual irrompe no meu mundo. Já a alteridade corresponde ao respeito pela inviolabilidade do outro. Portanto, é essa atitude fundamental que todo o ser humano precisa ter frente à outra pessoa, o outro.
Segundo Buber o respeito é a única atitude que torna verdadeiras as relações interpessoais, que só podem ser construídas pela experiência da liberdade mútua. Isto é, não se anulam as liberdades, mas se afirmam mutuamente entre as pessoas. Quando as relações são autênticas e livres o ser humano abre-se para o outro, supera o fechamento, portanto, a indiferença. A relação autêntica quebra qualquer limite da individualidade, e com isto acontece a verdadeira alteridade: a interpelação que vem do outro passa a ser acolhida pelo meu eu. Quando isto ocorre a relação humana atinge a plenitude e, por consequência, o eu torna-se solícito à causa do tu e do outro.
Buber desenvolve o conceito de alteridade dada a circunstância da sociedade contemporânea. Considera a grande desigualdade econômica e social que fomenta a indiferença humana. A economia liberal gera a competição entre os seres humanos, na qual os mais fortes e afortunados sentem-se vitoriosos, emancipados. Em contrapartida, o reconhecimento da dignidade do outro não é válido para os afortunados, os emancipados. Lamentavelmente, a alteridade e o respeito à dignidade humana, para muitos cristãos, ainda não é um valor que brota do Evangelho e da mensagem de Jesus Cristo. Alteridade e respeito ao outro é um nobre valor que o Evangelho indica, o qual Jesus praticou com espírito de compaixão com os últimos e marginalizados.
No Evangelho e na ação de Jesus Cristo o outro irrompe no meu mundo e com sua presença não permite que a indiferença se instale no coração e nas atitudes humanas. A resposta à sociedade da indiferença, para quem deseja viver em Cristo e assumir o seu reinado, é a responsabilidade de contratestemunhar a situação, pois a fé tem sua tarefa ética. Por conseguinte, é preciso ter a atitude do profeta Isaías que diz “eis-me aqui, envia-me a mim” (Isaías 6,8). O profeta Isaías saiu da passividade ao responder a interpelação do Senhor para a promoção do outro. O “eis-me aqui” é essencialmente uma atitude por comunhão universal. Aos cristãos, viver a fé em Cristo é responder ao chamado de superação da sociedade da indiferença frente ao outro. Esta superação, para Buber, é possível através da comunhão de pessoas, a gerar a relação interpessoal do Eu + Tu = Nós.
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