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A mensagem bíblica e a cabeça de peixe

Miguel Debiasi

 

Historicamente, o pensamento ocidental cristão considerou a filosofa grega pelo seu conhecimento e sabedoria humana. A reflexão teológica, filosófica e das ciências humanas de todos os tempos recorre a produção intelectual dos gregos. Filósofos e estudiosos gregos excelentes não faltam na história. As questões pesquisadas com seus conceitos foram imprescindíveis para a civilização e que hoje constantemente são atualizadas, como do sentido da história e da vida humana.

A história e a vida humana são questões que foram exaustivamente debatidas pelos gregos, ainda que não tenham chegado a um termo conclusivo. A produção intelectual grega é substancialmente metafísica, portanto, de suma importância para a cultura do mundo. Entre as questões debatidas sobre a história e a vida humana, está a concepção de progresso dos gregos. A ideia de progresso estaria ligada a um estágio e a uma evolução das coisas. Aristóteles referiu-se às catástrofes recorrentes da história como um retorno da humanidade ao estágio primitivo. Na evolução da história levaria a um estágio avançado da civilização, que atinge ao ponto anterior da catástrofe. Pela evolução a história segue o estágio em seu processo infinito, superando as catástrofes aprimorando história e vida.

A doutrina filosófica do Estoicismo, fundada na Grécia Antiga, por Zenão de Cicio, define o conhecimento como um ato próprio da pessoa, a partir da teoria da destruição cíclica da civilização sobre a terra e do cosmo inteiro. Por seu turno, a destruição cíclica, também se reforma ciclicamente da mesma forma que antes em todos seus pormenores. A história repete-se tal qual no passado ao infinito. Em suma, esta ideia levaria a negação da ideia de progresso ou de evolução da história. Normalmente afirmamos que a história se repete e que tem seu ciclo realizado em cada geração. Nessa questão haverá diferente interpretações entre os filósofos e estudiosos devido que o sentido da história adquire dimensões subjetivas e objetivas.

A concepção de história expressada na compreensão bíblica não é cíclica, mas retilínea. No transcorrer do tempo na concepção retilínea verifica-se a história como um evento decisivo e irrepetível em seu sentido e em suas etapas. O fim dos tempos e da história é o fim para qual as pessoas e as coisas foram criadas, que é o juízo universal e o advento do Reino de Deus em sua plenitude (Lucas 21,20-33). Na concepção retilínea o percurso da história vai da criação (Gênesis 1) à queda (Gênesis 3), da aliança (Gênesis 12) ao tempo da espera do Messias (Isaías 11), da vinda de Cristo para o juízo final (Mateus 25). Nesta lógica ao cristão o percurso da história adquire o sentido redentor, tanto em seu conjunto como um todo e bem como, em suas diversas fases temporais.

A história assim entendida, as pessoas também compreendem melhor o significado de suas vidas. Inserido nesse percurso o ser humano pergunta pela melhor compreensão de onde veio, onde está e para onde é chamado a chegar com sua vida temporal. Obviamente, para um cristão, sua vida temporal tem sentido ao fazer o ingresso no Reino de Deus e no mundo de Cristo e com sua Igreja (Lucas 17,20-21). Nessa inserção a vida humana realiza-se na sua plenitude ao harmonizar-se com o projeto de Reino de Deus apresentado por Jesus e que constitui sua Igreja ou sua comunidade de seguidores para esta missão no mundo. A parábola da videira e dos ramos de Jesus contada aos seus apóstolos expressa bem o sentido da vida humana temporal e no seu todo (João 15,1-11).

Assim, o sentido da história e da vida do ser humano na mensagem bíblica vai muito além da concepção da filosofia grega. Aos gregos o sentido da história e da vida humana passa pela inserção na e pela polis. Ou na sabedoria de um cidadão inserido na cidade, em contrapartida, ao perder o elo com a polis e com os concidadãos a vida refugia-se no individualismo. Já o cristão vive neste mundo, mas não exclusivamente para este mundo (João 15,18-21). A produção intelectual dos gregos é uma fonte de riqueza cultural, mas a mensagem bíblica a ultrapassa. Na concepção bíblica, viver é precisamente: participar do Reino de Deus neste mundo pelas obras da justiça, da caridade, do amor. Seria um grave erro para o cristão em sua fé em Cristo consentir com a situação social que uns tem demais e a outros faltam as condições até mesmo para adquirir uma cabeça de peixe para um sopão, como faz a promoção de um supermercado de Valença (RJ). A aceitação da mensagem bíblica pelos cristãos gera um novo sentido da história e da vida, como de salvar a todos da fome e da miséria, saciando famintos e carentes na medida do amor de Cristo.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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