A humilhação do pobre e a exaltação do capital
Seria o capitalismo a salvação e o socialismo a desgraça? No século que passou viu-se o bloco econômico europeu e americano articularem uma luta pela economia, política e religião contra o socialismo. Por outro lado, movimentos sindicais em geral encheram os sonhos por uma economia socialista. Com certeza essa é uma questão que não se resolve no século XXI, pois ambos os sistemas, o capitalismo e o socialismo não são perfeitos. Mas essa é uma questão que influencia a realidade brasileira, portanto, também aos cristãos.
Convém inicialmente dizer que a fé cristã se relaciona com a realidade das pessoas e com ela se compromete na perspectiva do Evangelho de Cristo. Cabe a Igreja alimentar o autêntico sentido da fé cristã em cada contexto em que vivem as pessoas. A fé cristã além de sua dimensão subjetiva relaciona-se de forma objetiva com os sistemas humanos em geral. Logo, a fé cristã tem como preocupação central a pessoa humana como criatura de Deus e que tem um espaço social de atuação. O frade católico italiano e teólogo Santo Tomás de Aquino (1225-1274), diz que “a pessoa é o que há de mais perfeito em toda a criação”. Ele mesmo Jesus de Nazaré pergunta aos seus discípulos a respeito de sua pessoa: “quem dizeis que eu sou”? (Marcos 8,29). Segundo Tomás de Aquino, a pessoa é o centro de tudo: da criação, do cosmo, da sociedade, da religião, da civilização.
A questão eminentemente central de toda a história é a pessoa. O diferente e determinante da comunidade religiosa e da Igreja são as pessoas. Para Deus o sujeito da fé são as pessoas. O teólogo brasileiro Clodovis Boff escreve que Cristo não morreu para salvar as estruturas eclesiásticas e a sociedade com seus sistemas, mas pelas pessoas e para mudar o mundo delas. Os filósofos e cientistas sociais Marx e Durkheim pensaram na dignidade das pessoas dentro de um sistema político, econômico, cultural e social. Nesses sistemas as pessoas se posicionam de forma positiva ou negativa em favor de um modelo sociopolítico. Para a teologia cristã a valorização das pessoas além de ser uma questão antropológica existencial é também escatológica, de salvação. Assim, como a fé cristã diz respeito a vida humana no seu todo e no seu tudo.
Na concepção cristã nenhuma economia, política e cultura, por mais capitalista ou socialista, democrática ou fascista, revolucionária ou conservadora, está acima das pessoas e de sua existência. Como nenhum sistema em geral realiza o pleno sentido do ser humano, há algo que sempre depende da relação com seu Criador, com Deus e igualmente com tudo o que foi criado. Para um cristão tudo está conectado, pessoa, fé, individualidade, coletividade. Qualquer sistema humano isolado é incapaz de dar plenitude as pessoas, sobretudo aquele que tem como preocupação central a produção de bens, ganhos e valores econômicos. Em nosso contexto esse sistema humano fragmentado é colocado de forma abusiva, sem pudor público e debochada.
O ministro da economia Paulo Guedes durante a participação em Fórum da Cadeia de Abastecimento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) em junho propôs dar restos de comida aos pobres em troca de mão-de-obra barata. Justifica que somente mão-de-obra barata pode tirar o país da crise econômica e gerar empregos. Na oportunidade também se referiu aos servidores públicos, empregados, encargos sociais e trabalhistas como uma arma de destruição do Brasil. Segundo o ministro, este é um mal que precisa ser banido e diz que a equipe econômica do governo está unida e trabalha com esse objetivo. A postura do ministro da econômica dá razão a Marx e Durkheim que afirmam que o sistema do capitalismo vive de continua desordem e de anomia social. Guedes é a encarnação do arcaico capitalismo, aquele da desordem e anarquia social. Guedes é a prepotência abusiva e a pretensão ideológica ultraliberal que mercantiliza as pessoas.
O ministro da economia ocupa uma das mais importantes funções públicas e institucionais para desenvolver o Brasil, mas optou pelo absurdo do aniquilamento do povo, dos pobres, dos trabalhadores. Santo Agostinho diria que essa é a opção egoísta. Para a falácia de Guedes, Max Weber diria que o espírito do capitalismo promove valores inúteis e destrói os éticos, religiosos, ecológicos, humanos. Propor dar aos pobres restos de comida, descartadas pelos ricos restaurantes de shoppings centers e pelas poderosas redes de mercados, isso tem nome: humilhação do pobre. O ministro da economia leva-nos a acreditar que o projeto do “pátria amada” do governo federal tem nome, salvar a economia neoliberal, e tem lado, favorecer os ricaços humilhando os pobres. Nesse sistema da desordem e anomia social, digno é quem passa fome e indigesto são os restos de comida descartada pelo opulento e avarento. Como cristão fico com Deus que fez a opção pelo pobre.
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