A esperança é prática de testemunho
A pandemia da Covid-19 que iniciou em 2019 e que rapidamente se espalhou pelo mundo, impactou gravemente a humanidade, a população mundial. Os efeitos da pandemia são visíveis em todas as dimensões da vida humana. Hoje a dimensão que desperta particular preocupação é a educação. Em todo o mundo 1,5 bilhões de estudantes abandonaram as unidades escolares e no Brasil o número se aproxima a três milhões.
Os efeitos da pandemia são visíveis a nível mundial. Estudos das Instituições como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projetam uma recessão econômica global acelerando o empobrecimento das classes populares e a taxa de desemprego. A Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal) projeta recessão nas economias Latino Americanas e com lenta retomada em 2023, especialmente no Brasil. Os estudos apontam para o agravamento das precárias condições de vida às populações vulneráveis para a próxima década e que a crise sanitária internacional aprofunda as desigualdades econômicas e sociais da população mundial.
Outro setor prejudicado foi a educação, apesar do fechamento das escolas ter impactado positivamente na redução da epidemia da Covid-19. Para os especialistas em saúde pública o fechamento de escola foi um fator positivo tanto para a redução no pico da doença, quanto na taxa de infecção. Esta estratégia pode num médio e longo prazo trazer benefícios aos jovens e adultos, principalmente das camadas de estudantes que vivem em situação de vulnerabilidade social e de saúde, como é a realidade dos alunos brasileiros. Por outro lado, o fechamento das escolas dificultou o aprendizado e aumentou as desigualdades sociais, afetando de forma desproporcional esses alunos em situação de vulnerabilidade social. Os efeitos graves foram o aumento da violência contra as crianças em ambientes domésticos, o trabalho infantil, a gravidez na adolescência e a evasão escolar.
A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), adverte que a reversão deste quadro educacional que levou 1,5 bilhão de abandono escolar, exige esforços coordenados de todos os Governos. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) diz que não houve estratégias da parte do Governo para amenizar os impactos da pandemia na educação de crianças, jovens e adultos. A inoperância governamental ampliou a desigualdade social na educação brasileira do ensino fundamental ao superior. As novas práticas de ensino, como a principal ferramenta, o acesso ao conhecimento, informação, conteúdos culturais pela internet é altamente desigual. Para milhões de crianças o ensino a distância oferecido por meio de tecnologias digitais acentuou um problema já existente no Brasil, a desigualdade de acesso aos recursos nacionais. Enquanto para milhares crianças e jovens, o acesso às escolas é uma oportunidade de inclusão social, promoção humana e até mesmo abrigo e segurança pública.
Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) o acesso a internet no Brasil é a reprodução da desigualdade no mundo real. Conforme dados apresentados pelo IPEA, 90% das classes A e B têm acesso a internet. Nas classes D e E, apenas 42% têm acesso. Há também a desigualdade de acesso na internet em termos de velocidade e volume de dados. Outro fator desigual é que destes, os usuários 70% residem em áreas urbanas. Em 2018, cerca de 62% dos domicílios tinham acesso à internet. Para o IPEA no Brasil, o acesso à internet está longe de ser igualitário e universal. O mundo virtual tem uma estrutura de reprodução de desigualdade e de exclusão social.
Os impactos na educação, causados pela pandemia e pela estrutura da sociedade desigual, vão repercutir negativamente no futuro do país e de milhões de crianças e jovens brasileiros. O prolongamento dessa situação educacional desigual vai incidir no estado emocional, físico, mental, psíquico de milhões de crianças e jovens que estão em situação de vulnerabilidade. Para a superação dessa problemática educacional precisa da parte do governo, Estados e municípios otimizarem acessos às tecnologias, escolas, condições materiais e elaborar propostas de educação alternativas. Para o IPEA exige-se do Plano Nacional de Educação (PNE – lei 13.005/2014) a construção de uma educação nacional que supere as desigualdades de ensino e o maior acesso aos diferentes recursos de inclusão e promoção social.
Como dizia o renomado pedagogo e filósofo brasileiro Paulo Freire (1921-1997) é preciso uma democratização da coisa pública de modo que suporte uma qualidade ética e a esperança dos oprimidos. A elevada qualidade ética vem de uma luta existencial e histórica contra a opressão e opressores seja ela a sociedade, instituições e métodos educacionais. A esperança é uma necessidade ontológica. A esperança como uma necessidade ontológica precisa de prática. A esperança precisa de prática para tornar-se concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã, escreve Freire.
Para Freire, a democratização da coisa pública implica não prescindir de uma pedagogia da esperança. Prescindir dela nega-se todos os oprimidos os suportes de uma qualidade ética a libertadora. A intervenção intelectual e prática na sociedade opressora é uma tarefa do educador ou educadora progressista. Essa intervenção leva para análise política da desigualdade social e desvenda possibilidades de superação do desigual, sem a qual pouco pode-se lutar e transformar o país. A esperança é uma atitude prática libertadora e transformadora. Enfim, educação e educadores devem ser arautos da esperança como testemunho, como ação/prática.
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