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Páscoa: é preciso saber morrer!

Miguel Debiasi

Os quarenta dias da Quaresma são um tempo de preparação dos cristãos para as festividades da Páscoa do Senhor. Para o tempo quaresmal a Igreja propõe aos cristãos, sobretudo, através da liturgia da Palavra, intensificar o exercício da oração, penitência e caridade. Os exercícios propostos são em benefício das pessoas, visando a conversão. Toda conversão leva a morrer em muitas coisas, como ideias e ações. Para tanto é preciso saber morrer.

Sem a experiência da morte não há como celebrar a Páscoa do Senhor. Por sua vez, a morte diz respeito à natureza humana e sua dimensão espiritual. Nenhum ser humano poderá exultar de alegria sem passar pela experiência da transformação de sua natureza, do seu espírito, de sua alma e de suas atitudes. Em razão do proposto para o tempo quaresmal, a liturgia da Páscoa do Senhor só poderá ser celebrada de forma profunda quando se aniquilarem as maldades, violências e injustiças que cercam as pessoas. O solene canto de Aleluia do Sábado Santo só poderá ser entoado em plena alegria quando enfim a mensagem do Senhor tocar o coração do ser humano. Portanto, a Quaresma é um tempo de tomada de consciência e de morrer para as condições desfavoráveis ao plano de Deus. Certo é que se celebra a Páscoa do Senhor nesta condição existencial e espiritual da passagem da morte para a vida.

 

A experiência de morrer não é exclusividade do ser humano. Jesus, sentindo-se angustiado pela precedência da morte de cruz, reza: “Pai, livra-me desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12,27). A situação de angústia de Jesus ensina que a vida tem sua entrega, sua doação total. Para seu seguimento é preciso saber morrer para poder ganhar a vida novamente. Essa é condição e a experiência radical de Jesus e consequentemente deve ser de todos os cristãos. Jesus indica aos seguidores dessa experiência fundamental: “se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto” (Jo 12,24). Através do grão de trigo, Jesus coloca o cristão diante de uma decisão radical: a vida torna-se fecunda quando existe a entrega ou doação total por amor. A morte de cruz de Jesus é a maior prova e experiência de amor pela humanidade.

Em consequência da morte de cruz de Jesus, a vida cristã carrega consigo um verdadeiro paradoxo, da cruz vem a vida. Em outras palavras, assimilando e praticando o evangelho de Jesus compreende-se que perder é ganhar, morrer é viver, entregar-se e doar-se é receber a vida em sentido pleno. A Páscoa do Senhor põe o ser humano diante desta contrariedade de fé em Cristo, a vida ganha sentido enquanto sirvo ao próximo. É justamente entendendo esta aparente contrariedade contida no Evangelho que as pessoas passam a amar e servir o próximo a exemplo de Jesus. Em nosso contexto de tanta desigualdade social, injustiças, intolerância e violência, só o amor ao próximo pode libertar o ser humano, nisto o espírito da Páscoa poderá ser experiência real.

 

A liturgia da Quaresma propõe justamente viver aquilo que Jesus apontou: o grão de trigo precisa ser enterrado, precisa morrer para produzir frutos. Com essa comparação o caminho que Jesus indica para a comunidade cristã atual é bastante claro: amar é dar-se sem poupar, até desaparecer, morrer em favor do outro. A cruz de Jesus tem um duplo sentido: do sofrimento à morte do Filho Amado, e da glória, da ressurreição, da vitória do amor redentor, da verdadeira Páscoa. Em razão disto, a vida do cristão é chamada a ser Páscoa constantemente. Quanto a esta experiência real da Páscoa, tão bem soube vivê-la São Francisco de Assis: “é morrendo que se vive para a vida eterna”. É preciso saber morrer para viver a Páscoa.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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