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O pé que chuta a santa...

Vanildo Luiz Zugno

 

O pé que chuta a Santa, é o mesmo que pisa o Exu. Sim. Do ponto de vista religioso, tem o mesmo sentido chutar a imagem de Nossa Senhora Aparecida num programa de televisão e invadir um terreiro, espancar a mãe-de-santo e pisotear a representação de Exu e dos outros Orixás.

Cristianismo e religiões de matriz africana são dois sistemas religiosos, cada qual com seu credo, seus escritos sagrados, mitos, símbolos e ritos para relacionar-se com o sagrado ao qual, cada religião dá um nome próprio. Todas as religiões funcionam baseadas em sistemas simbólicos e isso por uma razão óbvia: o transcendente que pretendem alcançar está além das capacidades humanas e das realidades mundanas. Se o transcendente fosse diretamente alcançável, não haveria necessidade de religião. Haveria acesso direto entre o divino e o humano. Mas aí o divino já não seria divino, seria humano, mundano, seria o fim das religiões.

Por isso o simbólico é tão importante nas religiões. Mais que importante, é central. Em qualquer religião, tocar o simbólico é tocar sagrado. Qualquer ofensa a um símbolo religioso – seja de que religião for – é sempre temeroso e o acesso aos símbolos de cada religião é cercado de normas, interdições e tabus, tanto para os membros daquela religião e muito mais para os não fiéis.

Destruir os símbolos, é a maior agressão que se possa fazer a uma religião. Através desse gesto, se está afirmando a não divindade de seus deuses e, consequentemente, a falsidade de seu sistema religioso. E, como a vida humana, para o crente, depende da existência e benevolência daquele(s) de quem, acredita ele, lhe provém a existência, destruir os símbolos religiosos é uma ameaça de aniquilamento da vida dos membros daquela religião.

A violência religiosa tem, por isso, duas faces que se completam. A primeira, a da violência religiosa explícita: a tentativa de destruir um sistema religioso. A segunda, que lhe é inerente, é a violência política: a tentativa de intimidar ou aniquilar os fiéis daquela religião.

Numa sociedade democrática, a violência religiosa não é tolerada. Ela é inibida e, quando se manifesta, reprimida. Numa sociedade onde o projeto político dominante é autoritário e não respeitoso das diferenças, os ataques religiosos se tornam quotidianos e transformam-se em tática política para deslegitimar ou destruir, simbólica e concretamente, os grupos considerados adversários.

A destruição das imagens dos santos católicos, a invasão dos terreiros das religiões de matriz africana e dos espaços religiosos das religiões tradicionais indígenas, apenas se diferenciam pela forma e repercussão na sociedade. Mas seu conteúdo intrínseco e seu propósito político é o mesmo: tentar calar o diferente, sufocar sua identidade mais profundo que é a religiosa para que desista de lutar por sua existência e seus direitos.

É preciso ter claro isso e não se calar diante de qualquer ofensa a qualquer religião porque, o pé que pisoteia o Exu hoje, é o mesmo que chutou a Santa ontem e que pode, amanhã, tentar esmagar outros símbolos religiosos.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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