Você está ouvindo
Tua Rádio
Ao Vivo
14:00:00
Programa de Domingo
19:00:00
 
 

De quanto é o juro?

Vanildo Luiz Zugno

 

O fato é real. Aconteceu semana passada com uma conhecida minha. Mas com certeza acontece a cada dia com outras tantas pessoas no Brasil. Com certeza você conhece uma também que tenha passado pela mesma situação.

No meu caso, trata-se de Dona Cidinha. Uma mulher pobre de um bairro popular de uma cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre. Dona Cidinha é uma mulher pobre. E além de pobre, é negra. Hoje está com em torno de 70 anos. Mas aparenta ter mais fruto de uma vida de muito trabalho e sofrimento. Desde a infância Dona Cidinha trabalhou em “casa de família”. Como milhões de mulheres, trabalhava e morava na casa dos patrões. Isso até ter a primeira filha. Quando a menina nasceu, a patroa disse que não podia  morar na casa com a menina. Se quisesse continuar a trabalhar, tinha que deixar a menina com alguém. E foi com a avó que ela deixou a menina. Quando veio a segunda criança, a mesma coisa. E também com a terceira. E as crianças foram sendo criadas pela vó e sustentadas pelo trabalho de Dona Cidinha. Até o dia em que a patroa disse que não precisava mais do serviço de Dona Cidinha. Cansada do Brasil, a patroa ia se mudar para os Estados Unidos. E lá se foi a patroa para Nova Iorque. E Dona Cidinha foi morar com a avó e as filhas que, a estas alturas, as duas mais velhas, já eram mães também.

Mas a desgraça maior de Dona Cidinha não foi perder o emprego. Foi saber que todos aqueles anos trabalhados na casa da patroa não tiveram Registro em Carteira e ela não teria nem Seguro Desemprego, nem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Como recorrer à justiça se a patroa já não morava no Brasil? Nenhum advogado quis assumir a causa. Por sorte, Dona Cidinha, com a ajuda de uma Assistente Social, conseguiu encaminhar o Benefício Continuado por idade. Foi a salvação para ela, suas filhas e suas duas netas.

Mas a desgraça não tinha acabado para Dona Cidinha. Aos dois meses, a mãe de Dona Cidinha faleceu. E poucos dias depois uma de suas filhas também adoeceu e morreu. A outra se foi com um homem morar na fronteira. A terceira ficou porque doente estava e não podia trabalhar. E o dono da casa que a mãe de Dona Cidinha alugava aproveitou a ocasião para pedir o imóvel de volta. E de uma hora para outra Dona Cidinha se viu sem um lugar para morar, com uma filha doente e duas netas para cuidar.

Por sorte conseguiu nas proximidades uma pecinha para morar. Pequena, apertada, calorenta no verão e húmida no inverno. Mas era o que cabia no chuleado orçamento de Dona Cidinha. E ainda havia a água e a luz. E a comida e os remédios seus e da filha doente.

Tudo pareceu se resolver quando um dia Dona Cidinha foi ao banco retirar sua aposentadoria. A uma quadra do banco, uma moça a abordou e, com uma gentileza que Dona Cidinha nunca tinha recebido na vida, convidou-a a entrar na Financeira. E explicou-lhe que, se ela quisesse, poderia dispor imediatamente de dez mil reais. E que esse empréstimo seria pago em pequenas parcelas descontadas mensalmente de sua aposentadoria. E o primeiro desconto só seria feita em três meses. Tudo muito fácil, sem exigência nenhuma. Apenas uma cópia dos documentos e a assinatura nos papéis. Dona Cidinha não queria acreditar. Mas era real. Não havia qualquer dúvida. E ela aí viu a ocasião para fazer aquelas compras com que tanto sonhava, garantir os remédios para a filha e uma melhor alimentação para os netos.

Com um frio na barriga vazia e o coração a mil, Dona Cidinha mandou que preenchessem os papeis, assinou onde lhe mandaram e saiu da financeira com o dinheiro apertado dentro da sacola fortemente segurada pelas duas mãos. Foi para casa direto e no dia seguinte começou a implementar seus sonhos com o tão precioso dinheiro. Foram três meses de felicidade. A filha doente, com os remédios certos e a alimentação melhorada, se sentiu quase boa. As netas, com as roupas novas e os brinquedos, até melhoraram na escola. O problema começou no quarto mês quando começaram entrar os descontos na aposentadoria. Os quase mil reais do salário mínimo baixaram para pouco mais de seiscentos. E, no mês seguinte, baixaram ainda mais. E no terceiro, mais ainda. Dona Cidinha não entendia o porquê isto estava acontecendo. Foi à financeira onde tomara o empréstimo e lhe disseram que era por causa dos juros. “Juros? Mas que juros?”, perguntou ela estupefata. “Vocês não me disseram que ia ter juros!” “A senhora não perguntou!” respondeu a moça com um sorriso amarelo no rosto. E Dona Cidinha soube ali que a cada mês seu saldo iria diminuir por causa dos juros e que não havia nada a fazer, pois ela tinha assinado sem ler!

No quinto mês Dona Cidinha não pagou a conta da água. No seguinte, foi a vez da conta da luz atrasar. E também o aluguel que atrasou já pelo segundo mês. E o remédio não pode ser comprado. E a comida começou a faltar... Tudo porque não tinha perguntado de quanto seriam os juros a pagar.

Penso na triste situação de Dona Cidinha nestes dias em que um séquito de candidatos de todos os partidos passam por nossas portas, ruas, rádios, jornais, televisão e internet oferecendo mil maravilhas para hoje e para amanhã. Eles se parecem com a funcionária da financeira que ofereceu o empréstimo a Dona Cidinha. São só sorrisos e amabilidades. E dizem que tudo é fácil. Basta digitar o número deles e apertar “confirma”.

Não podemos fazer como a pobre Dona Cidinha e não perguntar de quanto será o juro a pagar por essas benesses que nos oferecem. O Brasil já gasta, hoje, 43,98% do dinheiro arrecadado com impostos no pagamento dos juros da dívida. Isso mesmo: quase metade do dinheiro que pagamos em impostos são destinados ao pagamento dos juros da dívida pública. E quem detém esta dívida? Os bancos, públicos e privados. E quem estabelece de quanto vai ser o juro da dívida?  Quem estabelece os juros da dívida é o COPOM, um organismo do Ministério da Fazendo composto, em sua maioria, por representantes do mercado financeiro, ou seja, dos bancos. Alguns membros do COPOM fogem a essa regra. Mas são a minoria. É a raposa cuidando do galinheiro. Imagina então, se colocarmos um banqueiro ou um seu representante para governar o Brasil? Os bancos vão estar com a faca e o queijo na mão para aumentar ainda mais a fatia dos impostos por nós pagos e por eles apropriados.

Antes de votar, então, busque ver qual é a proposta de política financeira de seu candidato. Mais concretamente, busque saber como ele vai tratar a dívida pública. Qual vai ser a política dele em relação ao Banco Central? Vai deixá-lo à mercê do mercado ou vai utilizá-lo como instrumento de política pública? É bom saber antes de digitar o número e confirmar, porque depois, quando ele começar a cobrar os juros, podemos ficar sem educação, sem saúde, sem saneamento, sem investimento em infraestrutura... E aí já não vai mais ter o que chorar! Será tarde demais!

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

Enviar Correção

Comentários

Newsletter Tua Rádio

Receba gratuitamente o melhor conteúdo da Tua Rádio no seu e-mail e mantenha-se sempre atualizado.

Leia Mais