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A purificação ideológica da fé cristã

Miguel Debiasi

A sociedade moderna condiciona a prática da fé cristã ao sistema do Status quo, ao estado das coisas? A política econômica traça os caminhos para uma fé cristã ideológica? As ideologias políticas orientam as opções religiosas dos indivíduos a ponto de manipular a força do Evangelho? Isto sendo verdade e realidade em nosso país, como fazer a purificação ideológica da fé cristã? Esta é outra reflexão que segue.

A ideologia da sociedade moderna impõe dificuldade para entendermos as opções políticas de certos movimentos católicos e igrejas cristãs. O ponto de partida para refletir essa questão é Jesus Cristo que buscou a libertação das pessoas e da religião de todas as formas de alienação e de submissão política (João 8,36). A nova criatura em Cristo constitui-se pelo estado da liberdade, pela a consciência e pelo repúdio a escravidão (Gálatas 3,28). A Igreja do Concílio Vaticano II deixa claro que a libertação do ser humano é a condição determinante para uma vida cristã fiel a Cristo e seu Evangelho (LG 284). Para Cristo é preciso libertar-se de todas as ideologias para chegar à perfeita vida cristã, como fez com seus discípulos (Mateus 16,5-12). 

Muitos católicos e igrejas cristãs através da ideologia religiosa se afastam de Jesus e de seu Evangelho. Jesus Cristo denunciou a manipulação das práticas religiosas e da ideologização política das autoridades dos escribas e fariseus (Mateus 23,13-32). Jesus deixa claro que a sociedade em sua estrutura política ideológica, manipula as práticas religiosas. Em nosso país esta prática religiosa se reproduz nas comunidades cristãs, na mente das pessoas, no interior das famílias, na educação e na mídia pela ideologização da fé do Evangelho. Diariamente vemos que a fé e o Evangelho são usados para os interesses das instituições e de grupos empoderados socialmente. Com essa prática religiosa é impossível à transformação da sociedade e do país, menos ainda à conversão humana e dos cristãos, porque a fé e o Evangelho são manipulados.

Esta realidade religiosa leva a abrir diálogo com as ciências humanas a subsidiar a reflexão para uma mudança significativa de comportamento religioso dos cristãos. O filósofo italiano Antônio Gramsci (1891-1937) diz que a sociedade cria, transmite e conserva a ideologia por meio das instituições. O grupo social que consegue impor-se na sociedade detém a ideologia com sua hegemonia. Gramsci percebe que há uma relação entre fé e sociedade, onde o grupo dominante influencia decididamente com sua ideologia sobre as práticas e comportamentos religiosos. Nessa realidade a fé não vive unicamente a reboque da sociedade, mas ela serve e fortalece as classes e as ideias dominantes.

O padre jesuíta e filósofo Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002) diz que a ideologia julga e submete a história e as pessoas aos seus condicionamentos. Em contrapartida, a existência concreta das pessoas na história, acontece mediante a purificação da ideologia da sociedade dominante. A contaminação da fé e do comportamento religioso acontece sempre pela ideologia dominante. Somente pelo acesso aos qualificados estudos se consegue estabelecer critérios religiosos que purifiquem definitivamente a fé cristã de toda ideologia.

A resposta para a purificação ideológica da fé cristã para o padre e teólogo jesuíta João Batista Libanio (1932-2014) está em aproximar-se do critério último de juízo, que é: a Trindade, a Encarnação e a Páscoa. Na verdadeira compreensão do mistério da Trindade, da Encarnação divina e da Páscoa de Cristo, todo ato de fé pode e deve ser julgado, purificando-se de elementos ideológicos espúrios. Esse mistério divino não é transparente, mas precisa de interpretação, de estudos e de elevada consciência cristã.

Em nosso país as religiões do dinheiro usam do discurso fundamentalista para submeter pessoas a um caminho comum, da dominação política e econômica. Usam de pregações e interpretações bíblicas que levam ao acolhimento de práticas que são verdadeiras traições a vontade de Deus. Apresentam uma visão de Deus como um grande apoiador político celestial das autoridades que defendem os interesses econômicos neoliberais e da sociedade dominante.

Estes líderes religiosos e políticos que se dizem cristãos, promovem uma confusão entre política e religião nunca vista antes no país. A subsunção da política à religião e da religião à política, anula o discurso da razão democrática e permite a substituição do Evangelho e a deturpação da fé cristã. Fazem da política e da religião um meio de dominação das pessoas, de propagação da intolerância, violência, ódio e perseguição social.

Parece impossível acreditar em Jesus Cristo e no seu Evangelho e consentir com as religiões e a política que promovem ideologização da fé cristã com convicções e ensinamentos fundamentalistas, seu resultado é pastores e sacerdotes empoderados de capital e privilégios. É preciso desconfiar daqueles que se apresentam em nome de Deus, como defensores da pátria, família, valores religiosos e morais. Na realidade estes promovem personalidades totalitárias corruptas e levam a religião e a política ao fascismo, a guerra e a opressão de classes sociais. Neles há sinais claros de morte humana e de Deus. Os autênticos seguidores de Jesus Cristo sabem que a fé é libertadora, ou não é fé. O Evangelho é libertação, ou não é o Evangelho. A Igreja de Cristo é libertadora, ou não é a Igreja de Cristo.

Enfim, “a crítica à religião é a premissa de toda a crítica” diz o filósofo alemão Hegel. Como escreveu Karl Mark “é preciso perguntar-se o que o homem faz da religião e o que a irreligião faz da política”. A consciência crítica e formação bíblica podem tirar a religião da submissão política e a política da religião.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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