Marcha das Mulheres emite carta aberta sobre escolha do patrono da Feira do Livro 2015
Na tarde desta terça-feira, 22/9, a Marcha das Mulheres divulgou uma carta em sua página no facebook, tratando sobre o repúdio à indicação do nome de Uili Bergamin como patrono da Feira do Livro 2015.
Pela manhã, Uili postou uma mensagem em sua página no facebook pontudando situações que viveu há alguns anos e teriam gerado o processo com a acusção de violência doméstica.
Abaixo você lê a carta da Marcha na íntegra:
Carta aberta à comunidade caxiense sobre escolha do patrono da Feira do Livro 2015.
A Marcha Mundial das Mulheres é um movimento feminista, anticapitalista e internacionalista, que existe no Brasil e em mais de 96 países. Há 15 anos nós, mulheres caxienses, estamos organizadas, lutamos e denunciamos todo o tipo de violência vivida pelas mulheres em nossa cidade e no mundo. Como militantes da Marcha Mundial das Mulheres participamos recentemente da Audiência Pública "Avanços e Desafios da Lei Maria da Penha", realizada no dia 10 de setembro de 2015, pela Frente Parlamentar pelo Fim da Violência Contra as Mulheres da Câmara Municipal de Caxias do Sul. A audiência buscou avaliar os avanços e desafios da Lei, considerada um marco na luta pelo fim da violência contra a mulher.
Partindo do debate realizado e da triste realidade presente na vida de tantas mulheres, propomos uma reflexão: Paramos por um instante e nos perguntarmos: qual o índice de violência contra a mulher na nossa cidade? A violência, seja física, moral, psicológica e/ou sexual, faz parte do cotidiano de inúmeras mulheres. É no lar, é na casa, palco das relações domésticas e familiares, que o ato violento é reproduzido pelos próprios namorados, maridos e amigos próximos das vítimas. Agressões e ameaças contra mulheres são frequentes em Caxias do Sul com registro de 500 casos mensais registrados junto à Delegacia para Mulheres.
Criada para frear as milhares de mortes e agressões diárias vivenciadas pelas mulheres, a Lei Maria da Penha prevê uma série de medidas protetivas. Todavia, somente elas não se mostram suficientes para impedir que essa triste realidade continue presente. Apesar da criação da Lei e das políticas nacionais da Secretaria de Política para as Mulheres do Governo Federal, é necessário que os municípios estejam conectados e implementem medidas de prevenção, proteção e conscientização. Atualmente, Caxias do Sul conta com uma Rede de Proteção, uma Delegacia Especializada para as Mulheres e um Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Todavia, o atendimento se mostra insuficiente para alcançar toda a demanda, além da necessidade constante de aperfeiçoar suas ações e funcionamento por isso os movimentos sociais – como a MMM - são tão importantes por se constituírem como um espaço de denúncias, encaminhamentos e discussão de politicas públicas.
Exatamente pela importância assumida como movimento feminista e com o compromisso dai advindo foi que na Audiência Pública denunciamos a escolha do patrono da Feira do Livro 2015 pelo fato de o mesmo estar envolvido num processo judicial de violência doméstica. Não compactuamos com a violência contra a mulher e com a possibilidade de homenagens e silêncio diante da denúncia. Não queremos um debate isolado, pessoalizado. Nossas ações sempre buscaram a defesa da vida das mulheres e a superação da violência, em todos os âmbitos e esferas sociais. Nossas ações em sociedade não se dividem entre o público e/ou no privado. Através desse pensamento há anos a violência contra a mulher é naturalizada, escondida. Infelizmente, a mesma sociedade que julga com severidade outros crimes parece tolerar a violência contra as mulheres.
Práticas machistas também costumam inverter papéis, quando a vítima torna-se suspeita, o movimento, algoz. Para nós, práticas de ética, solidariedade, justiça, respeito não se dividem em público e privado, ou diferentes em espaço social. Antes de homenagens ou prêmios queremos que a violência seja debatida não apenas quando ocorre, mas sua origem, suas raízes. A defesa dos direitos humanos é central e nunca nos envergonhou sua defesa. Esperamos que o ocorrido não sirva apenas para venda de jornais, postagens em redes sociais, ou mesmo ataques. Em muitos momentos a violência ocorre em nossa cidade e não é debatida ou publicada. Reafirmamos nosso compromisso na superação da sociedade capitalista, e como movimento social estaremos atentas, auto-organizadas e lutando contra violências e injustiças.
O combate à violência doméstica e sexual não se encerra com o marco jurídico da Lei Maria da Penha ou com o ocorrido. Cabe ao Estado, na agenda de enfrentamento à violência contra a mulher, integrar e fomentar políticas públicas. Gerar autonomia econômica, garantir escolas de educação infantil são alguns dos passos fundamentais para que o Estado cumpra o seu papel na ampliação dos direitos das mulheres e no fim da divisão sexual do trabalho e da violência. Cabe à sociedade, no geral, assumir a manifestação pública de combate às desigualdades de gênero e de defesa dos direitos e autonomia das mulheres.
A violência contra a mulher não é o mundo que a gente quer!
Marcha Mundial das Mulheres.
Caxias do Sul, 22 de setembro de 2015.
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