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Uso de agrotóxicos alarma o Brasil

por Felipe M. Padilha

Em dez anos, houve 62.000 intoxicações, ou 5.600 por ano; 15,5 por dia ou uma a cada 90 minutos

Subindo: de 2000 a 2010, somente o uso de venenos herbicidas aumentou mais de 155% a quantidade de venenos por hectare
Foto: Divulgação/CR

O mercado de venenos agrícolas deve atingir o valor de US$ 70,57 bilhões até 2021, crescendo à Taxa Composta de Crescimento Anual (Cagr) de 5,15%. A projeção é da Consultoria Marketsand Markets. Em relação às categorias, o mercado segue liderado pelos herbicidas, inseticidas e fungicidas.

Os produtos para o controle de ervas espontâneas deve ser a categoria de maior crescimento. A América do Sul será um dos principais mercados mundiais. No entanto, o relatório aponta que a Ásia deve crescer e assumir a liderança nos próximos cinco anos, com grandes investimentos de fabricantes multinacionais. 

O Brasil ocupa o primeiro lugar na lista de países que mais consomem agrotóxicos - um quinto do total fabricado no planeta. O consumo médio de agrotóxicos que era em torno de 7/kg/ha em 2005 passou a 10,1/kg em 2011, ou seja, aumento de 43,2%. Esta dimensão tem levado o país àquilo que poderia se chamar de epidemia silenciosa e violenta, envolvendo camponeses, trabalhadores rurais, seus familiares e, também, a população urbana, sobretudo aquela que habita áreas próximas às grandes produções agrícolas.

“O uso massivo desses produtos é explicado por uma economia que exporta commodities em grande escala, em especial a soja, e um modelo de agronegócio baseado em grandes extensões de terra produzindo poucas culturas”, observa a geógrafa agrária Larissa Mies Bombardi, também professora da Universidade de São Paulo. Nos últimos anos, a geógrafa tem-se dedicado a estudar o impacto do uso dos agrotóxicos no país, em especial a partir do mapeamento dos casos de intoxicação. “De 2007 a 2014 foram notificados 1.186 casos de morte por intoxicação com agrotóxicos”, observa (leia página 11).

O Brasil é o maior exportador mundial de açúcar, carne, gado, carne de frango, fumo, laranja, café e outros. “Esse pacote monocultor, em grande escala, demanda muito agroquímico”, afirma. Segundo ela, os casos de intoxicação por agrotóxicos têm relação direta com o modelo econômico que o país adota.

De 2000 a 2010, só o uso de herbicida aumentou mais de 155% a quantidade de agrotóxicos por hectare no Brasil. Isso também vem na esteira desse aumento muito grande dos cultivos de soja, cana. Por cultivo, a soja, sozinha, responde por quase metade de todo agrotóxico comercializado no país. O milho vem em segundo lugar; a cana, em terceiro.

 

Intoxicações - A envergadura do problema é tal que no período de 1999 a 2009, segundo o Sistema Nacional de Informações Toxicológicas (Sinitox/FioCruz), houve 62.000 intoxicações por agrotóxicos no país. Isso significa 5.600 intoxicações por ano; 15,5 por dia ou uma a cada 90 minutos.

Neste mesmo período, houve 25.000 tentativas de suicídio com uso de venenos agrícolas. “O dado é extremamente alarmante, pois significa que tivemos 2.300 tentativas de suicídio por ano, ou uma média de seis por dia, tendo por arma algum tipo de agrotóxico”, comenta Larissa Mies Bombardi.

Calcula-se que há, no Brasil, uma subnotificação destas intoxicações da ordem de 1 para 50. Quer dizer, para cada caso de intoxicação notificado, há cerca de 50 não notificados. Além disso, os casos crônicos, ou seja, de doenças crônicas advindas da exposição constante aos agrotóxicos, dificilmente são notificados.

 

Expansão de cultivos é um dos fatores que explica aumento de consumo

No mundo todo, na última década, houve aumento expressivo no consumo de agrotóxicos, em função de dois elementos. O primeiro é a transformação do alimento em combustível. Alguns dos cultivares que há séculos são destinados à alimentação humana têm-se tornado “massa” para a produção de energia, dentre eles destaca-se a cana, o milho e a soja.

“Associado a esse fato, temos outro, que é o da transformação de alguns destes produtos também em commodities, como é o caso da soja”, esclarece Larissa Mies Bombardi. Esses cultivos, diz, dissociados do sentido da alimentação, têm sido feitos por meio do arcaico binômio latifúndio-monocultura.

Com relação aos principais cultivos no Brasil, ou seja, aqueles que ocupam maior área plantada, tem-se a soja ocupando cerca de 24 milhões de hectares, sendo que sua área plantada teve aumento de mais de 100% em 20 anos; a cana ocupando cerca de 10 milhões de hectares, tendo dobrado sua área plantada em 10 anos; e o milho, ocupando cerca de 13 milhões de hectares. A expansão destes cultivos é um dos fatores que explica o aumento no consumo de agrotóxicos no país. 

Com relação às vendas de agrotóxicos no mundo e no Brasil, comparativamente, nota-se aumento das vendas mundiais de agrotóxicos a partir de 2004 e, no Brasil, crescimento vertiginoso já a partir de 2002-2003, tendo queda em 2005, seguida de um brutal aumento a partir de 2006, com pequena diminuição em 2009.

Enquanto, no mundo, nota-se aumento de cerca de 50% a 100% nas vendas, no Brasil este número beira os quase 200%, em um período curtíssimo.

 

Câncer no RS

O noroeste gaúcho é campeão nacional no uso de agrotóxicos, segundo o Laboratório de Geografia Agrária da USP, elaborado a partir de dados do IBGE. Para especialistas que lidam com o problema localmente, não há dúvidas sobre a relação entre o veneno e a doença.

“Estudos apontam a relação do uso de agrotóxicos com o câncer”, diz o oncologista Fábio Franke, coordenador do Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) do Hospital de Caridade de Ijuí, que atende 120 municípios.

Um dos principais problemas é que boa parte dos trabalhadores não segue as instruções técnicas para o manejo das substâncias. “Sempre perguntamos se usam proteção, se usam equipamento. Eles ficam expostos”, observa Emília Barcelos Nascimento, da Liga de Combate ao Câncer de Ijuí.

 

Intoxicações são forma silenciosa de violência

Este agudo processo de subordinação da renda da terra, no Brasil, ao capital monopolista internacional, com a aquisição e aplicação de agrotóxicos, tem sido acompanhado por um problema gravíssimo de saúde pública. Tal problema diz respeito às intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola que atacam trabalhadores rurais brasileiros.

No período de 1999 a 2009, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sintox) notificou cerca de 62 mil intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola, 5.600 intoxicações por ano.

Atualmente, no Brasil, o registro dos dados de intoxicação por agrotóxicos é feito por dois sistemas, o Sinitox, vinculado à Fiocruz, e que tem por objetivo prestar orientação aos profissionais de Saúde e à população, e o Sinan, vinculado diretamente ao Ministério da Saúde, que visa realizar a notificação deste agravo.

Entretanto, a notificação junto ao Sinan só passou a ser compulsória em todos os estados a partir de janeiro de 2011. Como o Sinitox tem tido maior número de registros, aquela foi a base de dados escolhida para a elaboração dos mapas ora apresentados. Mesmo sabendo-se da extrema subnotificação destes casos - para cada caso notificado há 50 não notificados - os dados disponíveis são alarmantes, como é possível verificar no mapa 2.

Nota-se, no mapa 2, em que estão representadas as circunstâncias em que ocorreram as intoxicações por agrotóxicos, que além do Acidente Individual e Ocupacional, a Tentativa de Suicídio tem lugar muito significativo, sendo, por exemplo, na região Nordeste, o principal fator de intoxicação notificado. Nos estados da região Sudeste e Sul, particularmente, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os assim chamados “celeiros agrícolas do país”, a faixa representada pela tentativa de suicídio ocupa pelo menos 25% dos casos notificados de intoxicação por agrotóxico. No período representado no Mapa 2 (1999 a 2009) foram notificadas 25.350 tentativas de suicídio através do uso de agrotóxicos.

Evidentemente que uma parte destes casos de intoxicação por agrotóxicos levou à morte das vítimas intoxicadas, como é possível verificar no mapa 3.

O número de mortes por agrotóxico – notificadas – chega a mais de uma centena nos três estados da região Sul; e chega à casa de mais de duas centenas de mortes nos estados do Ceará e de Pernambuco.

Neste período, no país, ocorreram 1.876 casos de morte por intoxicação com agrotóxicos registrados pelo Sinitox, cerca de 170 mortes por ano. Nota-se grande incidência das mortes da região Nordeste, embora esta não seja a região que mais concentra casos de intoxicação notificados pelo Sinitox, o que leva à suposição de que este número elevado deve estar associado às tentativas de suicídio em relação ao número total de intoxicações (mapa 2).

O mapa 4 revela a massiva predominância do suicídio no total das mortes ocorridas por intoxicação via agrotóxicos, notificadas pelo Sinitox. Percebe-se, que nos três estados da região Sul, a tentativa de suicídio responde por mais de 75% das mortes. Na região Sudeste, com exceção do Rio de Janeiro, o mesmo acontece, chegando a índices superiores a 80% em Minas Gerais e Espírito Santo. Com relação à região Nordeste, em alguns estados, como é o caso de Pernambuco e Ceará, a tentativa de suicídio alcança quase 100% dos casos de morte notificados.

A gravidade destes dados obriga a pensar em hipóteses que os expliquem. A primeira hipótese, no sentido de compreender tal vulto no número de suicídios relacionado à intoxicação por agrotóxico, diz respeito a transtornos psíquicos causados pela exposição a agrotóxicos, especialmente organofosforados, embora não apenas. Dentre estes transtornos, os mais leves referem-se à depressão e ansiedade. Estudos de caso realizados no Brasil indicam esta perspectiva.

Distúrbios - Os autores sobre o uso de agrotóxicos e suicídios no estado do Mato Grosso do Sul realizaram importante revisão bibliográfica que apresenta correlação direta entre distúrbios emocionais/psíquicos e o uso e/ou exposição aos agrotóxicos, chegando a esta conclusão no próprio estudo de caso que desenvolveram: (...) organofosforados e carbamatos são os principais causadores das intoxicações humanas ocorridas no campo. Alguns estudos no mundo relacionam a exposição aos inseticidas com sintomas de depressão.

Um estudo realizado nos municípios de Antônio Prado e Ipê, no Rio Grande do Sul, indicou que a ocorrência de intoxicações agudas provocadas pela exposição aos agrotóxicos está fortemente associada à prevalência de transtornos psiquiátricos menores, sendo a depressão e a ansiedade os diagnósticos mais frequentes. Sintomas de depressão são reconhecidos como um fator prevalente nas tentativas de suicídios.

 

Concentração está onde predomina o agronegócio

Finalmente, a porcentagem de estabelecimentos rurais que utilizam agrotóxicos em cada município brasileiro, traz de maneira aberta a envergadura do problema e a indicação do quão pouco notificados são os casos de intoxicação por agrotóxico.

O primeiro aspecto a ser ressaltado neste mapa é a grande concentração de uso de agrotóxicos nas regiões em que predomina o chamado agronegócio. Destacam-se os municípios da região Sul e Centro Oeste do país, em que a soja tem papel central. É possível perceber nitidamente, no mapa 5, os “bolsões do agronegócio” nas manchas representativas de maiores índices de utilização de agrotóxico.

Cabe ressaltar o avanço do agronegócio em direção à Amazônia, marcando, particularmente, o Norte do Mato Grosso, que infelizmente tem os dados de intoxicação por agrotóxico, além de subnotificados, intermitentes, ou seja, não há informação para todos os anos do período.

O Mato Grosso é o principal “consumidor” de agrotóxicos no país, respondendo por 18,9% das compras de agrotóxicos, seguido por São Paulo (14,5%), Paraná (14,3%) e Rio Grande do Sul (10,8%).

O mapa 5, neste sentido, oferece importantes elementos para se pensar a trajetória dos agrotóxicos no país, apontando para um risco iminente – possivelmente em curso – da supressão de grandes faixas de biomas, tais como a Amazônia, o Cerrado e a Caatinga, em função da expansão do agronegócio nestas três direções.

Considerações - O uso de agrotóxico, nos moldes em que vem ocorrendo no país, tem sido nefasto não só do ponto de vista socioeconômico, como também ambiental e sanitário.

Os dados apresentados nos mapas são de extrema gravidade. Os camponeses, trabalhadores rurais, os familiares destes trabalhadores e moradores de áreas próximas aos cultivos contaminados com agrotóxicos estão sendo intoxicados cotidianamente de forma direta.

Os sintomas agudos de tais intoxicações são apenas a ponta do iceberg de um problema muito mais amplo que fica escondido por trás da subnotificação destes casos e da quase ausência de informação sobre as doenças crônicas causadas por tais exposições.

“Entendo que as intoxicações por agrotóxicos devam ser compreendidas como mais um elemento da já conhecida violência no campo. Entretanto, trata-se agora de uma forma silenciosa de violência, perpetrada pelo capital internacional oligopolista”, declara a geógrafa agrária e professora Larissa Mies Bombardi.

 

Soja, milho e cana respondem por 70% de todo o pacote de agroquímicos

É notável que os produtos expoentes do agronegócio brasileiro são aqueles responsáveis, em termos totais, pelo maior consumo de agrotóxicos. Assim, os cultivos de soja, milho e cana, juntos, respondem por praticamente 70% de todo o uso desse pacote de químicos.

Tal pacote agroquímico é ofertado por modernas empresas transnacionais que têm-se organizado oligopolisticamente, a tal ponto que 92% dos agrotóxicos comercializados no Brasil em 2010 o foram por empresas de capital estrangeiro: Syngenta (Suiça), Dupont (Estados Unidos), Dow Chemical (Estados Unidos), Bayer (Alemanha), Novartis (Suiça), Basf (Alemanha) e Milenia (Holanda/Israel).

Com relação à distribuição dos tipos de agrotóxicos mais utilizados, vê-se nos herbicidas: 59,2%; inseticidas: 19%, fungicidas: 12,4%; acaricidas: 1,7%; outros: 7,7%, conforme dados do Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Nota-se que os herbicidas respondem por praticamente 60% dos agrotóxicos utilizados no Brasil. Segundo o Ibama, esse aumento no consumo de agrotóxicos está, sem dúvida, vinculado à chamada “expansão da fronteira agrícola” e ao “plantio direto” nestas terras, o que literalmente tem significado a supressão das matas naturais.

Está claro que o controle químico das chamadas “ervas daninhas” se faz necessário para as monoculturas, justamente em função da especificidade da agricultura capitalista: em grande escala e com reduzida utilização de mão-de-obra.

O contrário, aliás, da especificidade da agricultura familiar: pequena escala e intensa utilização de mão-de-obra. “Esse é o motivo pelo qual a agricultura capitalista se desenvolve, sobretudo, naqueles produtos que não são cultivados pelos pequenos e que permitem a extensividade do pacote químico”, detalha.

De acordo com os dados do Ibama, os ingredientes ativos com ação herbicida que lideram a lista dos agrotóxicos mais comercializados, tiveram, em 2009, quantidade comercializada da ordem de 127 mil toneladas. Dentre os herbicidas, o ingrediente ativo mais comercializado é o glifosato, cujo montante comercializado em 2009 ultrapassou 90 mil toneladas, respondendo por 76% dos herbicidas.

O glifosato é justamente o agrotóxico “casado”, por exemplo, com alguns tipos de soja transgênica resistentes a esse ingrediente ativo. Ou seja, trata-se de sementes nas quais se introduziu DNA de bactérias resistentes a este herbicida.

Estados - Nota-se que os estados nos quais mais houve venda de agrotóxicos são justamente aqueles conhecidos por serem celeiros dos produtos do agronegócio. Mato Grosso lidera a produção de soja e a venda de agrotóxicos. São Paulo é o maior produtor de cana e ocupa o segundo lugar em venda de agrotóxicos. Já o Paraná ocupa o terceiro lugar em produção de cana e segundo lugar em produção de soja e é o terceiro estado em venda de agrotóxicos.

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