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“Pão em todas as mesas”

Miguel Debiasi

Muito se falou e um tanto mais se falará da necessidade de erradicar a problemática social da fome. Quem fez a experiência da fome não deseja essa situação para ninguém sobre a face da terra. Quem sempre viveu com a mesa repleta de alimentos talvez tenha dificuldade de entender o que seja passar fome. Certos é que todos precisamos nos alimentar diariamente de maneira suficiente para vivermos de forma digna.

A fome é realidade mundial. No ano de 1998, o presidente de Cuba Fidel Castro ao participar da Assembleia Mundial da Saúde na cidade suíça Genebra, afirmava: “em nenhuma guerra ou ato genocida existe tantas pessoas morrendo a cada minuto, a cada hora e dia, do que aquelas que morrem por fome e pobreza em nosso planeta”. Na época o número total de óbitos superava 9 milhões por ano, sendo 6 milhões deles crianças menores de cinco anos de idade. Isto significa uma média de 25 mil óbitos diários por consequência da fome e da pobreza no planeta.

Após afirmação de Fidel Castro a Organização Mundial da Saúde (OMS), começou apresentar anualmente os números de pessoas que passam fome e os óbitos deste genocídio dos pobres. Em 2020 o relatório “O Vírus da Fome”, uma referência a pandemia do covid-19, afirmava que enquanto os bilionários multiplicavam por dez suas fortunas, a maioria da população sobrevivia com uma ou nenhuma refeição diária. Em 2020, o relatório apresentava 2,3 bilhões de pessoas ou 30% da população mundial não tinha acesso à alimentação diária.

Para reverter a situação, a Organização das Nações Unidas (ONU) em 2020 lançou plano com metas a nível mundial como: de “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição, e promover a agricultura sustentável, como agenda 2030”. Mas no mesmo ano houve um aumento de 320 milhões de pessoas que entraram para o Mapa Mundial da Fome. Hoje, quase um bilhão de pessoas vivem nesta situação extrema pobreza.

O problema da fome é mais latente nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, com a maior taxa da população pobre e subnutrida, destas, 75% vive em áreas rurais. Os estudos da ONU e da OMS apontam que os pequenos agricultores possuem quatro vezes mais chances de serem pobres que um indivíduo que trabalha em outro setor da economia.

As causas da fome são: a deficiência na distribuição de alimentos - a produção global de alimentos é mais que suficiente para alimentar toda população do planeta. A fome ocorre devido a infraestrutura precária e o acesso aos grandes centros urbanos é dificultado por falta de poder aquisitivo; o desperdício de alimentos – um terço do alimento produzido é desperdiçado ou 1,3 bilhões de toneladas métricas, custando aproximadamente US$ 750 bilhões à economia global;  a pobreza e a insegurança alimentar – também causadas pelos conflitos internacionais, guerra, terrorismo, corrupção, mudanças climáticas, degradação do meio ambiente e a pobreza que impede a acessibilidade aos alimentos.

As populações mais vulneráveis à fome são: crianças de até cinco anos, mulheres grávidas e em período de amamentação e populações pobres. A fome desencadeia um quadro problemático ou gera um círculo como: perda de potencial de trabalho daqueles que são afetados pela fome e consequentemente, a redução de sua condição econômica e perpetua sua situação; prejudica o desenvolvimento físico e mental da pessoa e a subnutrição retarda o crescimento infantil e intelectual; provoca danos à saúde e deficiências na gestação; gera instabilidade política e social.

Segundo o Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023 no Brasil, o setor de alimentação apresentou uma redução de valor de 2,4%, das carnes caiu 9,29%, e 6,8% aves e ovos. A redução teve a combinação de vários fatores como das commodities agrícolas, desinflação global e, sobretudo, impacto das novas políticas públicas do governo federal implantadas no país.

Esta é uma reviravolta muito significativa para as famílias com renda de um a cinco salários mínimos, permitindo um orçamento familiar estável e sem oscilações. O economista Luiz Roberto Cunha destaca que a grande produção de grãos como o milho, feijão e a soja também contribuíram para a estabilidade do orçamento das famílias brasileiras e influenciou positivamente nos preços dos itens como óleo de soja, carnes e frango. Isto somado às políticas públicas do governo federal permitiram mais pão e alimento na mesa do povo brasileiro.

Esta é uma boa notícia para o povo brasileiro. Mas, a fome espreita o planeta porque muitas pessoas foram despojadas de todas as condições sociais e materiais para viverem de forma digna. Os estudos da ONU e da OMS mostram que uma pessoa não tem acesso à terra no campo e ou na cidade não produz comida. O alerta fica para os governos que a terra rural e urbana é alocada pelo mercado e a produção de alimentos é apenas uma mercadoria com o qual o capital busca lucrar financeiramente. Aos governos cabe implementar políticas públicas de distribuição de rendas.   

Essa necessidade já havia apontado o Mestre de Nazaré desafiado seus discípulos e seus seguidores a prática da solidariedade com a multidão faminta: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mateus 14,16). A fome é a grande problemática do nosso tempo. Mas, a solidariedade pode ser considerada a grande história de nosso tempo. Em meio ao colapso sistêmico e o abandono do Estado, a solidariedade tem sido a pedra angular da sobrevivência de muitos povos. Movimentos populares, organizações não governamentais e iniciativas espontâneas tem garantido à sobrevivência das populações mais vulneráveis, distribuindo cestas básicas, refeições, material de limpeza, higiene pessoal e outros produtos.

Em tempo de guerras intermináveis pelo mundo onde os pobres, mulheres, crianças e pessoas inocentes são vitimados, é preciso campanhas de cunho internacional criando elo de solidariedade capaz de superar a problemática da fome. A fome é uma realidade mundial, nossa também, infelizmente. É preciso que haja pão em todas as mesas, assim, haverá paz e experiência do Reino de Deus na terra (Mateus 7,21-27).

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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