Já é um consolo
No Brasil o direito humano à alimentação adequada (DHAA) foi consagrado na Carta Magna, artigo 6º e 227º, definido pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. É um direito pelo qual estado, governos, órgão públicos, organizações governamentais e sociedade civil, todos devem garantir sua aplicação. Este é um desafio a ser perseguido.
A alimentação foi considerada um direito humano no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), adotado no ano de 1966. Direito considerado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), juntamente com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), selado em Genebra em 1929, quando tratava da Alimentação e do Vestiário dos prisioneiros de Guerra. Os Pactos têm por objetivo conferir obrigatoriedade aos direitos e liberdades afirmadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 1948.
Um Pacto ou uma conversão internacional tem caráter vinculante, isto significa que as pessoas são titulares de direitos e os Estados são titulares das obrigações. Em 1945 a ONU criou a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com a missão de liderar esforços para a erradicação da fome e combate à pobreza. O lema adotado pela FAO é fiat panis, traduzindo do latim, significa “haja pão”. Admitimos que há Leis, Pactos, Declarações isto envolve os Estados e a sociedade como um todo na obrigação na erradicação da fome.
Um direito alimentar sempre diz respeito a vida e a dignidade da pessoa humana, algo implicado com a relação ética e social. O artigo XXV, parágrafo 1º da DUDH contém uma referência explícita à alimentação como direito, embora de maneira indireta: “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar inclusive alimentação”.
No Brasil, através da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, foi criado o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que visa assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Este direito foi incluído no artigo 6º da Constituição Federal, em 2010. É inegável o avanço jurídico com a concepção do direito a todos à alimentação adequada e à segurança alimentar, prevista pela Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006.
É sabido que apenas a garantia do direito não é suficiente para efetivar sua realização como: do direito humano à alimentação adequada (DHAA). Todo direito do cidadão, em contrapartida, exige dos Estados às obrigações tanto positivas, como ações de caráter regulatório e fiscalizador, impeditiva dos obstáculos à sua realização. As formas de colocar em ação esse direito que são questões éticas e sociais incide nas escolhas dos gestores públicos, bem como de todo cidadão, como sujeito livre.
É possível abordar o direito à alimentação adequada ou saudável como um dever ético e social dos Estados e da civilização. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), nos permite uma abordagem em defesa da alimentação como um direito inato. Bem como, da necessidade de uma condição jurídica ou constitucional para que este direito adquirido seja assegurado, que se removam os obstáculos.
A doutrina das virtudes de Kant considera como interno à condição humana, portanto, seria inato. Kant afirma que “o que é inatamente meu ou teu pode ser qualificado como o que é internamente meu ou teu”. O direito à alimentação inerente à condição humana é inerente à liberdade porque a condição humana é a de ser livre, um ser que vive porque se alimenta. É na liberdade que encontramos um ponto de ligação entre alimentação saudável e moralidade na filosofia de Kant, no sentido e no âmbito da doutrina dos deveres de si.
Kant identifica o primeiro ato de liberdade como o ato de escolher um alimento, isto coloca intrínseca e originariamente unida, a liberdade (razão) e a alimentação. Para alimentar o corpo, movido pelo desejo, o homem se descobriu livre, por isso Kant estabelece o começo da história nessa ruptura entre o instinto e a razão, uma razão que transpõe os limites de toda a animalidade, mas não aniquila.
Em virtude da natureza deste sujeito que Kant assim afirmou, nas Lições de Direito Natural (1784): “O ser humano sabe que não deve comer aquilo que é nocivo. Isto é uma regra objetiva. Se ele, no entanto, deixa-se levar pela sensibilidade e como, ele está agindo segundo regras subjetivas da vontade”.
Em Kant a própria natureza o sujeito é capaz de saber, mas também de querer algo diferente do que sabe, ou seja, de ter uma vontade, é o que possibilita estabelecer regras para si mesmo. A liberdade do arbítrio humano, o qual, embora possa ser afetado, não é determinado pela sensibilidade. Nisto o ser humano se distingue de toda a animalidade. A questão que se coloca com direito à alimentação é atender à necessidade essencial da moral, ou seja, a partir da razão, da lei e da ética para a conservação da vida.
Kant nos questionou a necessidade de um imperativo da razão para a satisfação de uma necessidade fisiológica para a qual já existe em nós um impulso natural, como de uma criança, logo ao nascer, busca o seio da mãe para se alimentar. Em nosso contexto socioeconômico a natureza não é o suficiente para nos alimentar, mas será preciso de políticas e programas públicos para alimentação, nutrição e segurança alimentar.
Em 2023 o Brasil com a melhora na renda retirou 24 milhões de brasileiros da insegurança alimentar. Este já é um benefício pessoal e coletivo obtido, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) através do aumento do salário mínimo e da recomposição do programa Bolsa Família e o controle da inflação que tem impacto direto no resultado. Esta melhora já é um consolo, mas há ainda milhões de brasileiros em situação de fome e insegurança alimentar. Então, que os avanços ou a melhora sejam contínuos e progressivos.
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