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Grátis, até injeção na testa

Gislaine Marins

Acho que a gente só pode conceder gratuitamente o que é necessário e custa muito. Saúde, por exemplo: é essencial e cara. Precisa ser gratuita, universal, de qualidade, pois dela depende a nossa sobrevivência. Educação: é imprescindível, pois garante a nossa sobrevivência social e mental. Educação é indispensável para viver em comunidade e até para salvar a sociedade que estamos destruindo com a nossa ganância insana. Além disso, salva os nossos neurônios e prolonga a nossa lucidez. Junto com a saúde são os dois mais essenciais deveres do Estado.

É óbvio? Nem tanto, visto que doutores de internet e professores de instagram não faltam por aí. Para esses palpiteiros das horas vagas, proponho que as suas pérolas sejam disponibilizadas somente a pagamento: para quem produz e para quem visualiza. Deveria ser instituída uma taxa de produção e visualização de informação supérflua. Com o recolhimento dos fundos, seria possível organizar cursos de cuidados básicos de saúde, educação contínua, eventos, encontros de reabilitação.

Em outras palavras: serve uma regulamentação dos ambientes digitais. Já estamos findando o primeiro quarto de século com este faroeste dizimando a inteligência das pessoas, sem distinção: crianças inocentes, mulheres oprimidas, idosos entediados, homens inseguros, todas as nossas vulnerabilidades são capturadas na rede e as pessoas viram alvo fácil de manipulação e destruição das nossas capacidades de discernimento.

Atenção internautas: saibam que somos uma espécie em via de extinção. Estamos sendo literalmente sequelados pela palavra curta, pelo pensamento simples, pela mentira fácil, pela irresponsabilidade a custo zero.

Digo até mais: não basta taxar, pois imposto nunca foi garantia de qualidade. Para acordar da falácia do conhecimento grátis, para fugir dos heróis do teclado, para salvar-se da informação banalizada, o suor continua sendo o melhor remédio. Malhar os neurônios, cravando os olhos numa folha impressa; treinar os dedos para reaprenderem a folhear obras com mais de cento e cinquenta páginas: santo remédio.

As bibliotecas são grátis: alguém já questionou o motivo? É que bibliotecas são preciosas, como a saúde, como a educação. E permitem que a gente entenda bem o seu valor inestimável: quando não temos saúde, educação e cultura, a gente sente na pele a dura realidade, os efeitos concretos.

Bem, é um pouco isso o que acontece com conteúdosgratuitos e irrelevantes: eles não fazem nenhuma falta na vida e não exigem nenhum esforço para caírem sob os olhos de quem consome. Cuidado: se for muito fácil, desconfie. Nem tudo o que é grátis vale uma injeção na testa.

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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