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Competência: Empresa privada x Setor Público

Miguel Debiasi

“A empresa pública é um cabide de empregos”; “A máquina pública é um atraso para o país”; “O serviço público é uma burocracia”; “Só privatizando as estatais o Brasil vai para frente”; “Sem privatização o Brasil não anda, não desenvolve”. Certamente, todos ouviram outras expressões semelhantes de total desprezo ao setor público. É bem verdade que há razões para isto. Mas, defender que o setor privado é mais competente que o público, é muita crendice capitalista.

Ao discorrer sobre o assunto da competência em contexto do mundo capitalista, recorre-se à empresa Vale do Rio Doce, que até duas décadas era um órgão estatal, e hoje é de natureza privada. Normalmente avalia-se a competência de uma empresa pela lei do mercado. Em outras palavras, se a empresa é capaz de crescer competindo com outras do mesmo ramo. No caso, tendo lucros, expansão de seu capital, patrimônio e negócio. Avalia-se a empresa pelo desempenho de mercado. Logo, esperar outro raciocínio para mensurar competência entre público e privado num sistema capitalista seria muita ilusão.

No entanto, no critério de avaliação do mercado não estão mensuradas as consequências das atividades empresariais para o desenvolvimento econômico. O progresso econômico está acima da vida humana, ambiental, planetária. O mercado não responde por crise ecológica, o perigo de destruição nuclear, a dizimação de populações inteiras pela fome, a ameaça de uma convulsão social provocada pela desigualdade econômica entre as classes sociais. Em outros termos, importam a produção e o mercado, independente dos valores éticos e das responsabilidades com o coletivo, o bem-comum. 

Em atual contexto brasileiro encontram-se bons exemplos desta mentalidade. O atual presidente da Vale, Fabio Schvartsman, recebe um salário mensal de R$ 1,6 milhão, aproximadamente R$ 20 milhões por ano. Os outros cinco diretores da Vale recebem um salário mensal de R$ 1 milhão por mês. O revoltante disto não está apenas no supersalário do presidente e dos diretores da Vale, mas o que pensam eles das vítimas de Brumadinho: “avaliam que a vida de cada um dos mortos e soterrados não vale mais que R$ 100 mil no total”. Se comparado com o salário mensal do presidente da Vale Fabio Schvartsman, vale um pouco mais de 6% de sua remuneração. Como se não bastasse, a Vale entrou na justiça para abaixar essa doação que faria à família dos mortos. Pior, a Vale repudia qualquer responsabilidade pelo rompimento da barragem.

Admitir a posição da Vale que veio a público desprezar a vida das pessoas humildes, trabalhadoras e famílias vitimadas pela própria negligência da empresa chega a ser repugnante. Por representar um dos maiores grupos econômicos do mundo, a direção da Vale acha-se no direito de colocar-se acima de uma vida humana e de qualquer obrigação moral. Isto cheira a escárnio com as vítimas de Brumadinho. Diante desta brutal indiferença vozes tentam surgir em defesa das famílias vitimadas e que estranhamente estão sendo abafadas pelo governo e pela mídia em favor da Vale. Em favor da empresa, a mídia produziu uma cascata de notícias sobre outros acontecidos para que a opinião pública, grupos e entidades não insurgissem contra a Vale propondo sua reestatização. 

A articulação política pela preservação da Vale está no discurso do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzi “não haverá intervenção do governo brasileiro no comando da Vale”. Outra ação de proteção à Vale vem do ministro da justiça, o ex-juiz Sérgio Moro que não tomou nenhuma medida de investigação do acontecido. Outra, a entrevista do Roberto Castelo Branco, presidente da Petrobras, depois do acontecido em Brumadinho, chega a ser deboche com as vítimas: “não há nada de estatal que não venha ser privatizado”. Pelo total abandono da empresa Vale e do governo às vítimas de Brumadinho, pode-se dizer que o mundo capitalista não pensa em outra realidade senão aquela que traz ganhos econômicos. Porém, no desprezo pelo bem público, valores humanos, sociais, ecológicos, escondem-se verdadeiros limites, crimes, tragédias das empresas privadas, como da Vale.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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