Adivinha quem vem para jantar?
O ano é 1924. Dia 4 de maio. O Cardeal do Rio de Janeiro, Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, ou, simplesmente, Cardeal Arcoverde, completa 50 anos de ordenação sacerdotal. Bodas de Ouro. Um grande jantar é preparado. Uma festa original. Nunca havia acontecido antes no Brasil. Não pelas comidas e pompas. Mas pelos convivas. Algo inédito na história republicana. O Presidente da República, Artur Bernardes e todo o seu ministério foram convidados. Compareceram também diplomatas, políticos, militares e o entourage do Cardeal. Todos foram saudados no discurso pelo bispo de Diamantina Dom Joaquim Silvério de Souza.
O jantar deu o que falar. Tanto pelo lado católico como pelos republicanos. Afinal, há pouco mais de trinta anos, Igreja e Estado, no Brasil imperial, eram uma só e mesma coisa. Com a República, houve a separação, querida pelos republicanos e odiada pelos eclesiásticos. Foram trinta e cinco anos de guerra entre batinas e fardas. Sim. A Primeira República, mesmo com presidentes civis, nunca deixou de ser tutelada pelos militares de formação positivista, antirreligiosos e anticlericais que viam nos bispos, padres, religiosos e religiosas, os agentes inimigos que poderiam trazer de volta a expurgada monarquia. E há de reconhecer que eles não deixavam de ter razão.
A atitude do Cardeal Arcoverde e a afirmativa aceitação por parte de Artur Bernardes indicavam os novos tempos e os novos rumos desejados tanto pela Igreja como pelo Estado brasileiro. Não mais conflito. O tempo agora é de aproximação, de cooperação, de estender as mãos para o bem da Nação. O jantar foi um sucesso celebrado, no dia seguinte, em um almoço com a presença de todos os bispos do Brasil.
A nova política de relações entre Igreja e Estado foi consolidada sete anos depois quando, no dia 12 de outubro de 1931, Getúlio Vargas e o Cardeal Sebastião Leme da Silveira Cintra, sentaram lado a lado e conversaram animadamente na inauguração do Cristo Redentor. Getúlio precisava do apoio da Igreja para consolidar seu golpe. E o Cardeal Leme precisava do apoio e do dinheiro do Estado para a retomada católica. Era a reprodução nacional do Tratado de Latrão entre Pio XI e Benito Mussolini. Tanto lá como cá, os representantes eclesiásticos e os civis também compartilhavam visões muito próximas de sociedade e da necessidade de governos fortes para manter a ordem, a paz e o progresso.
No último dia 4 de abril, o mesmo local foi cena de um encontro entre um Presidente e um Cardeal. O atual ocupante do Palácio do Planalto foi ao Cristo Redentor onde foi recebido por Dom Orani Tempesta. O primeiro estava acompanhado por vários Ministros de Estado e pelo Governador do Rio de Janeiro, o cantor católico Claúdio Castro. O Cardeal também foi acompanhado por seu séquito facilmente identificável pelas batinas pretas e colarinhos eclesiásticos. A razão do encontro foi a assinatura de um Acordo de Convivência pelo qual a Arquidiocese do Rio de Janeiro tem livre acesso ao local e volta a participar nas receitas do parque. Um sopro financeiro para os combalidos cofres da igreja carioca.
A imprensa não noticiou se houve, após a cerimônia, um almoço com os convidados. Talvez não. Não sei, mas imagino que não. Afinal, já não estamos no tempo em que o comer junto era a demonstração de empatia e compromisso mútuo. Hoje bastam as fotos e os vídeos postados nas redes sociais. E essas foram abundantes. Além disso, comida, para um dos participantes do evento, é sempre um risco. Ainda mais se for um prato à base de frutos do mar. Pode trancar o intestino e exigir internação. Para os católicos que não estiveram presentes no evento, foi um motivo para um pouco mais de indigestão religiosa. E de indignação e apreensão que nos levam a perguntar sobre os rumos de nossa Igreja no atual momento brasileiro. A hora não é para se pensar em ganhos financeiros imediatos, mas no presente e no futuro da maioria da população que volta a sentir, no seu dia a dia, a miséria e a fome, frutos do desgoverno que aí temos e que usa o discurso e as imagens religiosas para ocultar sua necrofilia idolátrica.
Que o Cristo Redentor nos proteja!
Em tempo: o título desta reflexão faz menção ao filme de Stanley Kramer que, mesmo lançado no distante 1967, vale a pena revisitar.
Comentários