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A polarização política é fruto de outras polarizações

Miguel Debiasi

“Algum dia, tudo será melhor – eis a nossa esperança”, dizia o Voltaire (1694-1778), filósofo iluminista francês. “A terra, inteiramente iluminada, resplandece sob o signo de triunfal desventura”, escreve Max Horkheimer e Theodor W. Adorno. Voltaire via o contexto europeu com esperança pela ascensão do racionalismo e da burguesia. Os filósofos e sociólogos alemães Horkheimer e Theodor criticam o contexto europeu fortemente influenciado pelo iluminismo. As diferentes visões filosóficas refletem a polarização da sociedade europeia, do primeiro mundo e também do terceiro mundo.

A filosofia iluminista prevaleceu na Europa no século XVIII, denominado século das luzes. Os filósofos iluministas defendiam o predomínio da razão sobre a fé e acreditavam que o progresso e a felicidade seriam traçados para a humanidade. Os pensadores iluministas tinham como objetivo “iluminar” a sociedade europeia que se encontrava imersa nas crenças religiosas. Na força deste movimento aos poucos a doutrina religiosa e o misticismo foram substituídos pelo racionalismo que se expandiu pelo mundo e nortearam as questões políticas como: da Revolução Francesa, da separação da Igreja e do Estado, da tolerância, da oposição aos dogmas da Igreja Católica Romana e à monarquia absolutista.

Entre os grandes filósofos iluministas se destacam o inglês John Locke, os franceses Voltaire, Montesquieu, Adam Smith e Denis Diderot, o suíço Jean-Jacques Rousseau. Locke defendia a liberdade de expressão, opôs-se aos dogmas do catolicismo e acreditava que Deus tinha controle sobre o destino dos homens. As ideias de Voltaire orientaram a Revolução Francesa com base na crítica e oposição a Igreja Católica e sua doutrina. Rousseau defendia a democracia e a soberania popular com base na ideia de um Contrato Social entre mandatários e subordinados. Montesquieu construiu a teoria de separação entre os três poderes Legislativo, Executivo e Judiciário que é praticada no Brasil. Adam Smith é considerado o pai da economia moderna e do liberalismo econômico. Denis Diderot propagou a filosofia iluminista pelo mundo e negava a influência de Deus sobre o destino dos homens e acreditava que a religião causava um desequilíbrio na sociedade.

O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), fundador da Filosofia Crítica, responde à pergunta: o que é o iluminismo? Assim escreve: o iluminismo é a saída do homem do estado de minoridade que ele deve imputar a si mesmo. Minoridade é a incapacidade de valer-se de seu próprio intelecto sem a guia de outro. Para sair do estado de minoridade é preciso coragem e decisão de fazer uso do intelecto e servir-se da inteligência. Em outras palavras, somente o crescimento da consciência pode libertar as mentes da servidão espiritual cristã. Aquela servidão aos pré-juízos, aos ídolos e aos erros evitáveis, como escreve o filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994). Os iluministas configuram reflexão filosófica contra os preceitos doutrinais cristãos e a verdade não tem outra fonte senão a razão humana.

Hans-Georg Gadamer (1990-2002), filósofo alemão diz que o iluminismo teve como objeto de crítica a tradição cristã ocidental e que confiou na única autoridade, a razão. O iluminismo articulou um movimento filosófico, pedagógico e político conquistando progressivamente as camadas cultas e a burguesia em ascensão na Europa. O pensamento iluminista estruturou-se num pacto doutrinário pela confiança na razão humana cujo seu desenvolvimento aspirava ao progresso da humanidade, a libertação de todos os vínculos cegos e absurdos da tradição ocidental cristã, ou da ignorância, da superstição, do mito e da opressão.

O iluminismo é uma filosofia otimista. Obviamente, para a classe culta e a burguesia em ascensão que buscou o progresso espiritual, material e político mediante uso crítico e construtivo da razão. Neste movimento está inerente à polarização da sociedade, de um lado, cultos e burgueses e do outro inculto e as camadas populares, o povo crente cristão. No Brasil os analistas de plantão jornalístico dizem que há uma polarização política entre direita e esquerda e buscam formar opinião favorável para uma 3ª via. Seria muita ingenuidade acreditar que algum político afiançado por empresários e meios de comunicação consiga emplacar uma alternativa à polarização política. Estes analistas escondem da opinião pública ou são incapazes de perceber que a polarização política reflete a realidade brasileira: a polarização social, de um lado, as classes nobres, as elites, burguesia e de outro lado, classe média e baixa, o povo. As eleições deste ano retratam que o Brasil é constituído por dois países. Isto é tão visível como um lindo dia de verão e de sol escaldante. O desfecho desta eleição é bem previsível, onde uma polarização sairá vencedora e que terá um grande desafio pela frente: trabalhar politicamente para superação da tamanha diferença entre os dois países ou as duas realidades que mantém polarizada a mais de cinco séculos de história. Ou obviamente, fortalecer a polarização para maior sofrimento do povo brasileiro.  

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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