A Fogueira de São João
Era mais um entre tantos. Aqueles homens estranhos que deixavam tudo para ir morar na beira do Rio Jordão. Uns vinham de Jerusalém. Ou do interior da Judeia. Outros eram da Galileia. Até da Samaria os havia. E nascidos no estrangeiro também apareciam. Judeus que um dia partiram em busca de dias melhores e que agora voltavam às origens para um recomeço. Um recomeço radical. Refazer o caminho da escravidão do Egito para entrar em uma Nova Terra Prometida. Não mais geográfica. Não mais cruzar o Mar Vermelho nem caminhar 40 anos no deserto. Agora quarenta dias eram suficientes. E o deserto estava aí do lado. Só cruzar o Jordão, descalçar os sapatos, agarrar o bordão, alimentar-se do que brota do chão – mel e insetos – e colocar-se totalmente nas mãos de Deus para uma vida nova para que fosse feita para sempre Sua vontade.
Não era uma multidão. Mas havia muitos. Uns mais jovens. Outros de idade mais avançada. Gente que havia sido rica. Outros que sempre foram pobres. Homens todos. Alguns que haviam sido casados e sua família haviam abandonado. Outros que nunca casaram porque acreditavam que a promessa feita a Abraão iria se realizar em breve e não havia necessidade de colocar a esperança na descendência. O Reino de Deus aconteceria aqui, agora, de imediato, para todos os que estavam vivos e para redimir os antepassados realizando o futuro no presente.
Entre todos, a chamar a atenção, aí estava João. Uma figura única, particular pela sua origem e modo singular. Filho de sacerdote. De quinta categoria, sim. Mas da tribo de Levi. Sua tradição não era a da profecia. Seu pai, Zacarias, uma vez por ano, no templo sacrifícios oferecia. E depois voltava para sua vila na montanha pois sua casa era marcada pela vergonha. Isabel, sua esposa, fora assinalada pela maldição. Filhos dela não nasciam. Sem descendência, o nome de Zacarias desapareceria. Até aquele dia em que o Anjo apareceu e um filho a Isabel prometeu. E a promessa aconteceu sob o olhar de uma prima distante que acorreu para ajudá-la em toda necessidade. Veio de longe porque quem perto morava naquilo não acreditava e até achava que era obra não de Deus como as duas diziam, mas de espíritos malignos que às duas acometiam.
Em meio à desconfiança dos parentes e vizinhos, João nasceu, cresceu, ficou adulto e para o Jordão desceu sem que ninguém se importasse. Era mais um entre tantos. Mais um com uma história estranha a dizer coisas estranhas que a alguns incomodavam e a outros apaixonavam. Os bem assentados dele se afastavam e claramente o condenavam. Os esfomeados, maltratados, perseguidos, doentes, esquecidos, todo o dia o buscavam. E ele os esperançava mostrando que no Reino de Deus todos podiam entrar. E muitos o seguiam, entre eles um seu parente da Galileia, filho da Maria que fora até a Judeia para vê-lo nascer. A Ele João indicou como aquele que o iria suceder. Não era uma função de honra. Profetas nunca tem um final feliz. É o que a Bíblia diz. Não por castigo de Deus. Mas por incompreensão dos seus. Ainda mais naquela terra onde predominava o dinheiro, o poder, a guerra. João foi preso, condenado e sua cabeça cortada para ser exibida em um burlesco banquete real.
“Nenhum profeta é bem recebido em sua terra”, disse Jesus ao falar de João e a seu futuro prever. A fogueira das vaidades não aceita a palavra de quem diz a verdade. Fogueira que queima mais que as de São João. Ela arde por dentro e consome seu invólucro próximo e, se não for apagado com o extintor da humildade, invade e transforma em cinzas tudo o que está ao redor. Para apagá-la, não há outro remédio que o da cruz de Jesus que reluz mesmo em meio à maior escuridão. Não a apaguemos. Deixemo-la reluzir e o nosso caminho conduzir.
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