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O trabalho, ato fundante do ser e de sua humanidade

Miguel Debiasi

O trabalho dá significação temporal e transcendental à vida humana. Em todos os tempos o trabalho tem sido mais que profissão, a verdadeira vocação do ser humano. Hoje milhões de pessoas pelo mundo sofrem pela falta de um trabalho que lhes dê renda, sustento familiar e dignidade humana e social.

Seria tão ruim e desprezível um mundo sem trabalho? Todos já se fizeram essa pergunta ou especularam essa possibilidade futura. A década em que ouvimos dos cientistas sociais um discurso que a inovação tecnológica, o avanço da automatização e da robotização irão substituir os trabalhadores humanos. Outros anunciaram o advento do mundo work-free ou mundo livre de trabalho. Ainda, outros previam que a concentração do capital em poucas mãos sobraria uma massa humana em absoluto estado de pobreza e abandono social, todos seriam levados à morte de fome.

Estudos chamam atenção do estado emocional das pessoas e o sentido de sua existência estar relacionado ao trabalho ou na sua falta. O estudo da Global Gallup constata entre os desempregados estadunidenses um alto índice de depressão, chegando ao dobro dos que estão trabalhando. As taxas crescentes de mortalidade e problemas de saúde mental, como vícios, entre as pessoas de meia-idade e baixa escolaridade deve-se à falta de trabalhos ou a baixa remuneração. As pessoas são mais contentes no trabalho do que em período que estão livres. Muitos vivem numa situação de tédio agonizante ao pensar em um futuro sem trabalho.

Esses estudos levam os cientistas sociais a se perguntarem pelo impacto do trabalho na formação e na felicidade humana. Algumas conclusões. Primeiro, as pessoas têm medo de ficarem sem trabalho, viveriam uma vida repleta de mal-estar social e humano. A sociedade valoriza o trabalho mais que os humanos, segundo. Terceiro não se pensou em harmonizar trabalho, lazer, cultura e outras ocupações sociais. Trabalhadores são infelizes e deprimidos por conta do trabalho executado, considerados degradantes, insalubres e insignificantes para a vida coletiva, quarto. Quinto a felicidade e autoestima estão associadas ao trabalho que garante estabilidade financeira e que responde a todas as necessidades da vida.

As causas das pessoas viverem entediante deve-se a falta de trabalho e ou da baixa remuneração salarial, segundo Global Gallup. Há ainda um significado negativo do trabalho que nos assombra. O termo trabalhar no latim vulgar tripaliãre é interpretado como torturar, em referência a um artefato de tortura usado pelos antigos romanos para castigar os réus ou condenados que eram amarrados para serem chicoteados. Com o passar do tempo, a denominação tripalium passa-se a chamar-se fadiga ou penalidade associadas às atividades realizadas no campo e no regime de escravidão.

Na cultura grega, um indivíduo que recebia salário de outro, não podia ser considerado uma pessoa livre, por conseguinte, sua forma de vida não era estimulante na pólis ou na cidade. Em Atenas as atividades de artistas, filósofos, políticos gozavam de prestígios e reconhecimento, enquanto o trabalho manual e dos pequenos comerciantes eram depreciados. Na civilização romana, reproduzia-se o desprezo às atividades produtivas mais rudimentares, dado que a vida digna estava voltada para o lazer, arte, filosofia e política. 

A visão judaico-cristã sobre o trabalho é múltipla. No primeiro livro do Antigo Testamento o autor associa o trabalho a consequência da desobediência de Adão e Eva no paraíso: “Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste criado” (Gênesis 3,19). Já no livro de Provérbios, há sábios conselhos sobre a necessidade de trabalhar: “Quem relaxa em seu trabalho é irmão do que o destrói” (Provérbios 18,9); “Não ame o sono, senão você acabará ficando pobre; fique desperto, e terá alimento de sobra” (Provérbios 20,13). Nos textos do Novo Testamento o trabalho não é castigo ou sofrimento, mas atividade do ser humano, experiência de Deus realizada na pessoa de Jesus (João 5,17).

No Brasil no final de 2023 o desemprego recuou para 7,7%, a menor taxa desde 2014. O professor e economista do Banco Master, Paulo Gala, dá motivos da redução do desemprego, surpreendendo os pessimistas: O setor externo teve superávit recorde, dólar em queda, aumento de emprego, massa salarial batendo a máxima de série histórica, salário com maior poder de compra, inflação em queda, crescimento do PIB em 2,9%, rendimento acima de US$ 1 trilhão, reindustrialização, matriz energética mais limpa, melhorou a nota de risco do Brasil de BB, alta recorde na Bovespa, redução de juros, criação de 2 milhões de empregos formais. O país é o segundo do mundo que mais atraiu investimentos estrangeiros e recuperação do mercado de trabalho.

Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o número de trabalhadores com carteira assinada dá sinal de uma nova configuração do mundo do trabalho no Brasil. A tendência é que alguns setores da economia, produção, indústria e serviços continuem melhorando e contratando mais trabalhadores com carteira assinada. Para continuar reduzindo a taxa de desempregos é preciso seguir investindo em políticas públicas e pensar o trabalho para além da produção de capital, como meio de superação das desigualdades sociais e da realização das pessoas.

O trabalho é ponto de partida para a formação de uma sociedade digna, para constituição de valores sociais sólidos, para emancipação de um país que está no mapa Mundial da Fome. Isto significa que o trabalho tem suas dimensões ontológicas e históricas. Além de um ato laboral, o trabalho é uma ação fundante do ser pessoa e de sua humanidade.

Mais que delirar por num futuro sem trabalho, parece-nos mais sensato torcer para que o mundo ofereça trabalho para todos os cidadãos, princípio de humanização e de felicidade social. Que o dia do trabalho venha como memória das lutas operárias históricas, celebração das conquistas sociais e esperança para os desempregados, trabalhadores e para todos que desejam um ser humano e uma humanidade elevada.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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